Organização e gestão da Instituição: funcionamento e representatividade dos colegiados, independência e autonomia na relação com a mantenedora, e a participação da comunidade universitária nos processos decisórios.
A composição e as normas básicas de funcionamento desses órgãos estão estabelecidas no Estatuto, destacando-se o caráter da representação dos dois órgãos de deliberação superior. Neles, os docentes se fazem presentes na proporção de 70%, os discentes em 1/5 dos docentes, e o corpo técnico-administrativo pode atingir até 15% da representação dos docentes. Tanto no Conselho Universitário quanto no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, à exceção dos Pró-Reitores de Graduação, Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão, membros natos do CEPE, todos os membros votantes são eleitos ou indicados pelas Congregações. Isto assegura características democráticas à representação na Instituição.[38] Os membros deste Conselho integram câmaras, com competência deliberativa, em matérias relativas à graduação, pós-graduação, pesquisa e extensão, respectivamente, cabendo recurso ao plenário do CEPE. Os membros do Conselho Universitário, por sua vez, integram três comissões permanentes: orçamento e contas, legislação, e obras. Registre-se que, apesar do caráter democrático dos órgãos de deliberação superior, os discentes e os membros do corpo técnico e administrativo que participaram nos grupos focais manifestaram insatisfação com os critérios de representatividade dos seus segmentos, não só nos órgãos colegiados, mas, também, em outras circunstâncias da vida da Instituição, considerando haver uma relação de desigualdade que privilegia os docentes. Ao mesmo tempo, foi observado de modo indistinto, entre os segmentos, que haveria falta de participação ou de interesse da comunidade universitária, em geral, pelos assuntos ligados aos processos decisórios da Universidade, ao mesmo tempo em que se consideraram insatisfeitos com o retorno que recebem de seus representantes junto aos órgãos colegiados sobre as decisões que ali são tomadas. Observaram ainda que, embora a burocracia seja necessária para o funcionamento da Universidade, ela atribui uma lentidão excessiva aos processos, tendo como exemplos a exigência do preenchimento de formulários diversos, e as dificuldades para realizar a matrícula em disciplinas eletivas. Os participantes dos grupos focais consideram, no entanto, que além de ser uma instituição bastante democrática, a UFMG abre espaço para críticas, sugestões e discordâncias. Os planos de gestão da Universidade Federal de Minas Gerais são elaborados no início de cada reitorado, estabelecendo-se metas a serem atingidas ao longo do mandato e, por vezes, prolongando-se sua execução na gestão do reitor seguinte. Este foi o caso, por exemplo, do Projeto Campus 2000, que visou a acelerar o processo de transferências de unidades acadêmicas do centro da cidade para o Campus Pampulha. Elaborado na gestão 1998-2002, está sendo concluído na gestão empossada para o período 2006-2010. Dado que os reitores são eleitos a partir de um processo de consulta à comunidade, conforme previsto no Estatuto, e os projetos propostos nesses planos são aprovados pelo Conselho Universitário, é possível afirmar que esses planos de gestão correspondem a projetos formulados para a Universidade, e que têm o endosso da comunidade universitária. Deve ser observado, contudo, que o planejamento não tem sido utilizado de modo corrente na Universidade, quer seja como instrumento para a antecipação de problemas e para definição de soluções, quer seja como instrumento para a projeção de metas e objetivos a serem atingidos no médio e longo prazo. A administração central da UFMG conta com uma Pró-Reitoria de Planejamento, cuja atuação tem se restringido ao tratamento de questões de ordem financeira. Os aspectos financeiros são de grande importância para o funcionamento de uma universidade pública no contexto atual, mas é a complexidade desse mesmo contexto que exige que ela tenha o planejamento como um objetivo importante de sua gestão. Alguns outros problemas no processo de gestão estão demandando uma apreciação mais cuidadosa da Instituição, tendo em vista seu aperfeiçoamento. Além dos que já foram destacados entre os apontados pelos participantes dos grupos focais, é preciso mencionar, ainda, aqueles que são gerados pela necessidade urgente de estender os horários de funcionamento das bibliotecas setoriais, das seções de ensino e dos colegiados de cursos. Os alunos dos cursos noturnos são os que mais se ressentem da insuficiência desses horários. Este é um problema que não depende apenas de uma atuação mais incisiva da gestão da Universidade, dado que têm a ver diretamente com a falta de autonomia para promover concursos e contratar servidores técnico-administrativos. É preciso registrar que a concepção conservadora da gestão presente no estatuto condiz, de certo modo, com a de uma instituição que, tem a trajetória e o porte da UFMG. Esta concepção está presente na exigência dos votos da maioria absoluta do Conselho Universitário para a introdução de mudanças. Se, por um lado, esse critério garante a preservação da Instituição, por outro, gera dificuldades para a implementação mais rápida de experiências novas, aspecto importante do funcionamento dinâmico de uma Universidade que se pretende sintonizada com as necessidades da sociedade moderna. Ao mesmo tempo, deve-se considerar que o fato de não existir, no Estatuto, um detalhamento de quais são e de como se organizam as unidades acadêmicas, fez com que a Universidade ganhasse em flexibilidade e dinamismo nessas questões. Foi possível, por essa razão, que a Faculdade de Letras implementasse uma experiência de gestão distinta daquela que predomina nas demais unidades e, até mesmo, nas demais universidades, dado que a estrutura departamental foi abolida, sendo suas funções absorvidas por coordenadorias vinculadas à Congregação.[39] Esta é uma experiência relativamente recente, e os seus resultados ainda precisam de um pouco mais de tempo para serem adequadamente avaliados. No relatório de auto-avaliação produzido por essa unidade não se encontra nenhum ensaio dessa avaliação. O relatório em questão contempla comentários sobre a distribuição orçamentária e de encargos didáticos, que teria se tornado mais transparente e eqüitativa, e remete o leitor para o regimento da Faculdade de Letras, onde se encontra apenas a descrição da nova estrutura. Deve ser registrado, também, que a iniciativa dessa faculdade não chegou a estimular as demais unidades acadêmicas a pôr em prática outras modalidades de organização, indicando que a UFMG como um todo mostra, de certo modo, uma atitude conservadora e de pouca ousadia e criatividade ao lidar com inovações na gestão. Isso é um dado importante, tendo em vista que pelo menos duas unidades registraram nos relatórios de auto-avaliação a necessidade de revisão de sua estrutura organizacional. Além do que já foi assinalado quanto à representação, o funcionamento dos órgãos colegiados da UFMG se dá de modo relativamente satisfatório, merecendo serem destacadas as características que são impressas à alocação das vagas docentes. Com a constituição da Comissão Permanente de Pessoal Docente – CPPD, em 1980, e a posterior regulamentação de seu funcionamento, e vinculação, na condição de convidada, ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão quando de sua criação, em 1986, as decisões sobre a alocação de vagas docentes ganharam muito em transparência frente à comunidade acadêmica. Em conseqüência, todas as vagas, sem exceção, são alocadas por meio da análise feita na CPPD, resultando em pareceres que, por sua vez, são disponibilizados para os membros do CEPE e aprovados em reunião desse colegiado superior. Por esse processo fica eliminada qualquer possibilidade de uma decisão privilegiada por parte do Reitor, que, individualmente, pudesse vir a aprovar vagas solicitadas por algum departamento. Ressalte-se que esse comportamento transparente da gestão da instituição se repete também com relação à definição das vagas discentes de cada curso, por ocasião da publicação do edital do vestibular. A transparência que caracteriza a gestão da UFMG, contudo, não se tem feito presente em um outro processo relacionado ao ingresso dos alunos. No caso do vestibular, a principal via de entrada dos alunos na UFMG, os procedimentos são rigorosamente estabelecidos por meio de edital aprovado pelo CEPE, e pela atuação da COPEVE – Comissão Permanente de Vestibular, visando garantir a justa avaliação do mérito dos candidatos frente a um número reduzido de vagas oferecidas. O mesmo, no entanto, não se pode dizer com relação àqueles que ingressam por transferência e obtenção de novo título, para ocupar as vagas remanescentes da evasão verificada nos cursos de graduação. A seleção se faz por meio de procedimentos regulamentados pela Câmara de Graduação, a partir de resoluções apresentadas pelos colegiados de cursos, inexistindo um procedimento único, comum a todos os cursos, que sirva de instrumento homogeneizador desse processo de ingresso. Tendo em vista a necessária transparência e a tendência de crescimento da demanda por essas vagas, torna-se urgente a institucionalização de mecanismos que confiram a essa seleção a definição de um padrão de “aluno da UFMG” e não apenas de aluno do curso. Esses candidatos devem ser submetidos, pelo menos, a uma prova comum, mantida a liberdade dos colegiados de fazerem valer, posteriormente, seus critérios definidos em resolução. Torna-se necessário, também, disciplinar alguns critérios que regularão essas resoluções, pela inexistência de regras claras estabelecidas pelo CEPE a esse respeito, dado que as deliberações são fixadas com base apenas em registros de atas. Alguns problemas se fazem presentes, e devem ser ressaltados, tanto nos colegiados superiores como nos órgãos colegiados das unidades acadêmicas. Entre os mais importantes pode-se destacar o processo de decisão de algumas instâncias, destacando-se, a título de exemplo, aquelas relativas ao pessoal docente. Conforme a prática vigente, as decisões são tomadas com base em pareceres de seus membros, nos quais se verificam dois tipos principais de problemas que resultam em dificuldades para que se forme a necessária jurisprudência. As análises de relatórios departamentais, por exemplo, em um ano são feitas por um parecerista, o qual se vale do conjunto de critérios definidos pela comissão, e de outros, introduzidos a partir do modo como se dá a sua própria percepção do problema. Se, no ano seguinte, o relatório desse departamento não é analisado pelo mesmo parecerista, torna-se difícil estabelecer uma análise comparativa desses relatórios por um período de tempo maior, podendo ocorrer até mesmo de serem aprovados pareceres conflitantes ou divergentes, inclusive porque parte dos membros da comissão podem ter sido substituídos. Esse tipo de tratamento pode ser constatado, também, com relação à aprovação de resoluções dos colegiados de cursos. O segundo problema relaciona-se ao fato de que muitas normas e regras estão definidas pela Universidade, mas, em alguns casos, elas estão firmadas apenas em atas. Em conseqüência, algumas decisões podem ser também contraditórias, porque o que foi acordado consensualmente num determinado momento, principalmente quando ocorre mudança de um número grande de componentes do colegiado, o tema não se tornou objeto de resolução. Por vezes, até mesmo o que está normatizado em resolução não é cumprido. Manuais de procedimentos, a serem repassados aos responsáveis pelos órgãos colegiados quando assumirem os cargos, talvez seja uma solução para essa questão. Outro problema talvez decorra da relativa lentidão com que se dá o processo de decisão, independentemente da natureza do que está sendo avaliado, julgado ou discutido. Isto é, assuntos urgentes, não necessariamente relevantes para o conjunto da Universidade, como recursos de alunos ou de professores contra decisões por ela tomadas, recebem nos órgãos colegiados, por vezes, tratamento similar ao que é dado a assuntos que exigem uma análise profunda e o amadurecimento para a tomada de decisão que implique mudança substantiva para a vida da Universidade. Por vezes, as prioridades são fixadas, mas o processo de debate se desgasta em conseqüência da participação democrática que marca o processo de decisão, levando ao excesso de pronunciamentos dos membros dos colegiados, nem sempre enfatizando as questões mais relevantes. Com características mais específicas, esse tipo de questão transpareceu nas manifestações feitas nos grupos focais pelos participantes docentes, discentes e técnico-administrativos, no debate sobre a organização e gestão da UFMG. Eles mostraram-se insatisfeitos com a demora no tempo de resposta para questões apresentadas aos órgãos colegiados, ressaltando o que consideram como excesso de burocracia para o encaminhamento de solicitações ou demandas, e a dificuldade para a obtenção de informações sobre procedimentos administrativos. A expectativa de que, com um maior grau de consciência sobre os direitos de cidadania ocorra um aumento do volume de recursos aos órgãos colegiados, sugere que, a persistir essa característica da gestão da Universidade, o problema tenderá a se tornar crítico em futuro próximo. A conjugação de um volume de recursos, que hoje já é elevado, com um processo de tomada de decisão consensuado e lento, tem conseqüência ainda mais grave, que é a menor disponibilidade dos membros dos órgãos colegiados para se dedicarem ao estudo de temas de relevância institucional, e que podem contribuir para a produção de reflexões mais substantivas para o planejamento e aperfeiçoamento da UFMG. Esta é, sem dúvida, uma área para a qual é preciso encontrar soluções, de forma a instaurar um processo de gestão que, no curto prazo, possibilite que a Universidade alcance patamares mais elevados de excelência e relevância. A aprovação pelo CEPE, em 2001, da proposta de flexibilização curricular, denominada Diretrizes para os Currículos de Graduação da UFMG, tem como um dos elementos centrais a oferta de formações complementares para os alunos, além daquela formação ministrada pelo núcleo básico que caracteriza o curso, e que apresenta aspectos relevantes para a gestão acadêmica. Resultado de um amplo processo de discussão iniciado na Câmara de Graduação, em 1997, e estendida para os colegiados de curso em momentos diversificados, e para a comunidade universitária em geral, a decisão daquele órgão de deliberação superior proporcionou a oportunidade para que, com sua adoção, os cursos de graduação se tornassem mais abertos, atraentes e dinâmicos. A existência dessa proposta conferiu à gestão da graduação características inovadoras, as quais, por sua vez, passaram a exigir a formulação de instrumentos adequados para viabilizar seu correto funcionamento. No documento que foi aprovado pelo CEPE, foi registrada a necessidade de serem atendidos cinco requisitos para a implementação adequada da proposta. Um deles diz respeito exatamente à implementação de um novo sistema para a gestão e o acompanhamento da oferta de vagas nas disciplinas, de modo a garantir a execução dos múltiplos percursos curriculares. Infelizmente, essa demanda enfrenta um gargalo, que reside na gestão do sistema acadêmico na Universidade, dadas as dificuldades que ainda não estão superadas para a implementação de um registro e controle acadêmico adequados. Essas dificuldades têm se associado àquelas relacionadas à não ampliação da oferta de vagas em disciplinas, em razão da insuficiência das vagas docentes, o que se torna problemático no caso da procura pelos alunos de matrícula em disciplinas eletivas, as quais assumiram grande importância nessa estrutura curricular, garantindo a possibilidade de realização dos percursos curriculares pretendidos. Ainda um terceiro tipo de dificuldade nesse campo diz respeito à lentidão de alguns colegiados no que concerne à implementação de propostas curriculares sintonizadas com o projeto que foi aprovado pelo CEPE para a Universidade. Essa conjugação de problemas pode, de certa forma, colocar em risco o pleno êxito do projeto curricular da Instituição. Outro aspecto a considerar quanto à gestão acadêmica é a existência de uma hierarquia não declarada de instâncias, quando se observa a relação entre departamentos e colegiados. Por um lado, em alguns casos os colegiados de graduação convivem com uma relação de relativa subordinação a departamentos, enquanto os colegiados de pós-graduação, em conseqüência da distinção existente entre as ênfases que as atividades de ensino e pesquisa[40] adquiriram na história da educação superior brasileira, são percebidos como sendo mais importantes do que os de graduação. Ressalte-se que há, nesse caso, um componente de grande destaque que contribui para esta situação, relacionado à administração de recursos financeiros. Enquanto os coordenadores dos colegiados de pós-graduação são ordenadores de despesas, o que lhes garante, também, maior autonomia para tomar decisões, tal possibilidade não está facultada aos coordenadores dos cursos de graduação. Apreciação É preciso considerar pelo menos dois aspectos. Em primeiro lugar, parte dos problemas aqui relacionados é inerente à condição de instituição pública federal que caracteriza a UFMG, e que pode resultar tanto em aspectos positivos quanto negativos para a gestão institucional. É típica do funcionamento da burocracia pública a presença de uma hierarquia que atua de modo mais frouxo, em que, à exceção de ocorrências mais graves, o não cumprimento de determinadas solicitações ou o não atendimento a convocações não se configuram em motivo suficiente e imediato para a aplicação de punições. No caso de uma instituição universitária, isso se reverte numa maior tolerância para com esse tipo de situação, que, se por um lado resulta num ambiente em que a criação é permanentemente estimulada, por outro, gera dificuldades de várias ordens no que concerne ao cumprimento de prioridades estabelecidas coletivamente. Numa instituição privada, algumas dessas questões se resolvem pela demissão do docente ou do funcionário, situação que não se faz presente numa instituição pública. De todo modo, há normas a serem cumpridas, e isso deve ser assegurado para o bom funcionamento da Instituição. Em segundo lugar, parte das possibilidades para que a gestão de uma universidade pública seja bem-sucedida estão relacionadas à “boa vontade” encontrada por aqueles que estão no governo do estado em um determinado período. O fato, por exemplo, de que os servidores técnico-administrativos possam contar com uma nova carreira, com os benefícios que ela pode trazer para a sua satisfação no trabalho, não se deve à Universidade, mas à disposição de negociação do governo federal. Algo semelhante pode ser dito das condições bastante favoráveis vividas pela UFMG em período recente, em relação a uma maior flexibilidade na gestão de recursos financeiros e na melhoria da infra-estrutura. Ou seja, muito contribui para a boa qualidade da gestão de uma instituição federal de ensino superior o fato de que ela se situe num cenário em que a educação superior pública se configure como política de estado e não apenas de governos. Entre outros benefícios, disso resultaria um maior respeito à sua autonomia, e a possibilidade de consolidação de projetos e planejamentos. Notas [38] A Figura 16, extraída do Relatório de Gestão da UFMG de 2004 (que pode ser consultado no endereço http://www.ufmg.br/proplan/), reproduz a estrutura organizacional real da UFMG. O que está nela representado é coerente com a estrutura delimitada pelo Estatuto. [39] Ver www.letras.ufmg.br. [40] A ênfase na pesquisa e os benefícios atribuídos ao exercício dessa função na Universidade foram aspectos ressaltados de modo bastante destacado pelos participantes dos grupos focais, fato percebido e expresso tanto pelos docentes, como pelos discentes e servidores técnico-administrativos. |