Professor escreve história do rádio em BH

Livro de Fábio Martins mescla narrativas de crônica histórica, ensaio e memória

Maurício Silva Jr

 

E2.jpg (2566 bytes)m 1935, o compositor Noel Rosa Rosa desembarcou em Belo Horizonte à procura de tratamento para a sua tuberculose crônica. Boêmio inveterado, freqüentador da Lagoinha em seus tempos áureos, o músico vagava pela noite com alguns amigos de um importante veículo de comunicação da cidade: a Rádio Mineira. Nela, Noel trabalhou com prazer enquanto esperava a hora de voltar ao Rio de Janeiro.
Por algum tempo, a estada relâmpago do sambista carioca em Belo Horizonte se cruzou com a trajetória do rádio mineiro, resgatada seis décadas depois pelo professor Fábio Martins, do departamento de Comunicação Social. Seu relato será agora publicado no livro Senhores ouvintes, no ar... a cidade e o rádio, a ser lançado em maio, no Palácio das Artes.
"O livro começa com minhas recordações de criança, quando ouvia rádio ao lado de meus pais em Morro do Pilar, no Noroeste de Minas", conta o professor Martins. Tais lembranças são importantes para a construção da obra. Além de estudar o surgimento das rádios Mineira, Itatiaia, Guarani e Inconfidência, o autor resgata parte do cotidiano dos belorizontinos à época, mesclando narrativas de crônica histórica, ensaio e memória. O texto foi escrito em três anos, mas a pesquisa de campo consumiu a maior parte da década de 90.

De Vargas ao golpe
"Colhemos cerca de 20 depoimentos de pessoas que vivenciaram o nascimento e a evolução das rádios em Belo Horizonte. São relatos emocionantes", diz o professor. Entre os entrevistados estão Jairo Anatólio Lima, Oswaldo Faria e o ex-ministro da Cultura e ex-governador do Distrito Federal, José Aparecido de Oliveira, que trabalhou como redator da Rádio Inconfidência.
O trabalho de Fábio Martins cobre a atividade das rádios de Belo Horizonte entre 1930 e o golpe militar de 1964. Apesar da preocupação científica na apuração de dados, o professor não quis dar ao livro um caráter acadêmico. Um dos recursos de sua narrativa é a intercalação de relatos de suas próprias experiências com histórias, ensaios e análises.

 

Duelo de raposas marcou criação da Mineira

O surgimento do rádio em Belo Horizonte é fruto de manobras políticas e da astúcia do chefe das oficinas da Imprensa Oficial da capital, Lindolpho Espeschit. Em 1929, o então dirigente do Estado de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, pediu que o amigo Espeschit fosse ao Rio de Janeiro conversar com o presidente Washington Luís. Os dois políticos não se entendiam. Por isso, Espeschit assumiu a difícil missão de obter permissão oficial para instalar a primeira emissora de rádio na capital mineira.
Recebido com desconfiança por Washington Luís, Espeschit tentou convencê-lo de que a rádio não seria utilizada para fazer oposição ao presidente da República. Mesmo não acreditando nas promessas do interlocutor de Antônio Carlos, Washington Luís permitiu a instalação. Como o material radiofônico era muito caro e vinha do exterior, ele assinou a liberação sem acreditar que os anseios de Antônio Carlos se concretizariam.
Mas Washington Luis não sabia que Espeschit já havia comprado dois transmissores de ondas curtas desprezados pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Ao retornar a Belo Horizonte, munido da autorização do presidente, ele abriu a Rádio Mineira, primeira emissora oficial da capital.
Logo depois da inauguração, Washington Luis começou a ser alvo de críticas sistemáticas, veiculadas na mesma faixa da Mineira, só que propagadas por um transmissor tido como "clandestino". Tudo não passava de artimanha política. A programação oficial apoiava o presidente, mas a paralela, convenientemente ilegal, soltava o verbo no ar.