entrevista.jpg (6427 bytes)/ Munir Chamone

"A Universidade não pode
só fazer receita"

Liana Caldeira

C2.jpg (2216 bytes)riado para dar suporte a uma pesquisa sobre o sistema imunológico de crianças desnutridas, o Pão Forte - composto alimentar de alto teor nutritivo - acabou se transformando num poderoso instrumento de combate à subalimentação em comunidades carentes de Minas Gerais. "Inventamos uma pipeta que ganhou mais importância do que a própria pesquisa", diz o professor Munir Chamone, coordenador da equipe do departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, que desenvolve os trabalhos.
Somente agora, dez anos depois, o projeto retoma seu caráter acadêmico com um estudo sobre imunologia, colhendo os frutos surgidos da utilização do Pão Forte, que alcança cerca de quatro mil crianças de creches em várias cidades mineiras, como Belo Horizonte, Contagem, Lagoa Santa, Santa Luzia, Diamantina, Minas Novas, Berilo, Turmalina, Coronel Murta, Araçuaí, Padre Paraíso, Desembargador Otoni e Sabinópolis. Nesta entrevista ao BOLETIM, o professor Chamone faz um balanço do projeto.

 

BOLETIM - O que significa a expressão Pão Forte?

Munir Chamone - A expressão foi criada para tornar a imagem do alimento mais atrativa. Sua marca está no fato de ter muitos componentes, o que faz com que o nutriente que falta em um ingrediente acabe sendo encontrado em outro. É uma espécie de cesta básica, pois contém farelo de arroz, fubá, farinha de trigo, soja, sal, óleo de soja, açúcar, fermento, sulfato ferroso e vitaminas A e B.

B - Depois de dez anos, que rumos tomará o projeto?

MC - A Universidade não pode apenas fazer receita. O projeto foi montado para estudar o sistema imunológico em crianças desnutridas, mas a fórmula deu tão certo que o estudo só agora está recomeçando. A receita do Pão Forte, somada ao projeto de orientação educacional, teve mais respaldo da população do que imaginávamos. Inventamos uma pipeta para fazer a pesquisa, mas a pipeta tornou-se mais atrativa para a população do que a própria pesquisa. Agora estamos redirecionando esforços para o lado acadêmico.

B - Como assim?

MC - É comum o estudo da imunologia na infecção, mas também pode-se estudar a imunologia do desnutrido e do renutrido. Isso porque o desnutrido morre de infecções, em decorrência do estado precário de seu sistema imunológico. É o caso do sarampo, um potente imunodepressor. Só que a criança não morre de sarampo. Morre de infecções induzidas pela doença. E uma infecção provoca desnutrição, que também pode ser causa de mortes.

B - Então, o Pão Forte vem para renutrir a criança...

MC - Sim, mas propomos uma mudança de comportamento. A informação aliada à receita muda comportamentos. Mas esse processo exige tempo. Trabalhamos na região de Diamantina há cerca de quatro anos. Só agora, há dois meses, conseguimos atingir outras áreas do Vale do Jequitinhonha, como Desembargador Otoni, Turmalina e Minas Novas.

B - Como surgiu a idéia de associar educação e nutrição?

MC - Algumas coisas me chamaram a atenção. Primeiro, uma constatação feita por um artigo da revista Science, que dizia que um dos maiores achados da Biologia nos últimos anos havia sido a observação de que um copinho d'água com açúcar e sal era suficiente para hidratar crianças. O açúcar facilita a absorção de sal, além de matar a fome. Uma coisa tão simples como essa teria que ser levada às ruas. Veio então a campanha nacional do soro caseiro. Mais tarde, alunos da Faculdade de Medicina montaram em Contagem a única enfermaria da Grande BH que funcionava 24 horas por dia só para hidratar crianças. Depois disso, para chegar à alimentação foi um pulo. Se a subalimentação era um problema que assolava a população, por que não levar o alimento ao encontro das pessoas? A idéia brotou rapidamente: colocar tudo na forma de pão.

B - Falta apoio financeiro para difundir o Pão Forte?

MC - Não é questão de dinheiro. Só é necessário o interesse da instituição. Há creches que preferem continuar consumindo o pão de sal, quatro vezes mais caro, por uma questão de hábito, simplesmente.

B - Por que a fome ainda assola o Brasil?

MC - Comida não falta. O problema está na escassez de informação e na dificuldade de acesso ao alimento. Esse quadro só mudará se houver uma efetiva participação oficial, que pode se dar de duas formas. Primeiro, através de estudos acadêmicos, pois não creio que se acabe com a fome no país importando máquinas e comida, mas fazendo-se uma reflexão e buscando-se alternativas através da pesquisa. Mas tudo isso será insuficiente se não houver política governamental.

 

Quadro comparativo do valor nutricional do Pão Forte

Pão Forte                         Pão de sal                  Ovos                     Leite                        Carne

2 Kg                                 1 caminhão                 120 dz.                   55L                        10 Kg