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Invernos, Ouro Preto, festivais

José Tavares de Barros*

 

T2.jpg (2281 bytes)ive a chance de integrar o grupo que planejou o primeiro Festival de Inverno, em 1967. Naquela época de comunicações precárias, a viagem entre Belo Horizonte e Ouro Preto levava quase duas horas. A cidade histórica vivia ainda mergulhada nas tradições e nos rígidos costumes da antiga capital. Mas seu espaço barroco era essencial para a proposta renovadora de oferecer a estudantes do Brasil inteiro cursos livres de artes plásticas e música, do nível básico às especializações mais alentadas.

É bom lembrar que a ditadura militar ensaiava os passos da radicalização, que ocorreria dois anos depois. Ouro Preto seria também lugar privilegiado de expressão libertária, válvula de escape contra o clima cinzento de repressão, feito de desconfiança e medo, que ameaçava o direito universal do ir e vir. Tudo isso provocava a onipresença de agentes do DOPS e da Polícia Federal, infiltrados entre os visitantes, de olho na maconha e nos hippies. Estes, acampados em praças e bairros, vendiam artesanato e contentavam-se com os ecos da festa.

O escândalo maior surgia das procissões noturnas dos jovens e da descontração das instalações nas praças e ruas. Do palanque da televisão de audiência nacional, o animador Flávio Cavalcante alertava as mães para o perigo de ir a Ouro Preto: "Zelai pela honra de vossas filhas". Sem o entusiasmo incondicional do respeitado professor Troppia, então diretor da Escola de Farmácia, o Festival não teria se instalado na cidade.

O fato é que duas escolas de arte, com prensas de gravura e pesados pianos, foram implantadas em locais espalhados pelas ladeiras da cidade. Era preciso também alimentar e abrigar quase mil moças e rapazes, num mês de frio intenso. As tradicionais repúblicas de estudantes ofereciam alternativas, mas os entendimentos exigiam longas e nunca definitivas conversações. Eram gelados os fios de água que corriam dos chuveiros improvisados nas escolas do município, pois as instalações só se faziam nos dois ou três dias que mediavam o término do semestre letivo e o início do Festival.

Obstáculos e conflitos de toda sorte não impediram que, nos 13 anos da fase inicial, em Ouro Preto, o primeiro domingo de julho se transformasse no marco inaugural de um mês privilegiado de aprendizagem, de experiências, de participação em espetáculos, de contatos informais com grandes mestres.

Sem querer ser injusto, menciono três exemplos de áreas mais afins ao meu universo pessoal. Do Rio Grande do Sul, vinha a cada ano para as aulas de pintura o professor Aldo Malagoli, artista eminente e personalidade afável, sempre aberto a todos os diálogos. No teatro secular, reformado para a ocasião, Glauce Rocha representava O exercício e deixava-se emocionar pelo clima envolvente do Festival. De noite, num apinhado auditório da Escola de Farmácia, o professor Sérgio Magnani, notável maestro e compositor, transformava-se em tradutor das legendas em alemão de filmes mudos expressionistas, oferecidos em primeira mão a uma embevecida platéia.

No correr dos primeiros 13 anos, áreas de história, arquitetura e literatura incorporaram-se ao evento para enriquecê-lo, mas a complexidade crescente terminou por exigir o retorno ao formato original, simples e espontâneo. O ano da crise, 1979, foi marcado pela apresentação audaciosa de Macunaíma, o maior espetáculo teatral daquela época, montado em palco especialmente instalado no cinema Vila Rica. O primeiro ocaso foi grandioso, prenunciando que o Festival saberia sempre reformular-se e ressurgir das cinzas, até os dias de hoje.

*Professor aposentado da Escola de Belas-Artes

 

O Festival de Inverno conseguiu manter sua proposta original?

 

"Ao longo desses anos, o Festival cresceu muito e talvez por isso tenha ficado excessivamente acadêmico e institucionalizado. Percebo também que a participação dos alunos diminuiu em importância, ao contrário das primeiras edições em que eles foram decisivos na condução do evento."

José Adolfo Moura, professor aposentado da Escola de Belas-Artes  

  

"Acho que uma das principais propostas - a diversidade de manifestações artísticas e culturais - foi preservada durante essas três décadas de Festival. Em certos momentos essa pluralidade variou de intensidade, tendo em vista principalmente a disponibilidade de recursos. O próprio retorno a Ouro Preto, em 1993, depois de alguns anos de itinerância comprova que o Festival não renegou suas origens".

Berenice Menegale, professora aposentada da Escola de Música e uma das fundadoras do Festival 

 

"O Festival de Inverno continua sendo o maior evento de extensão cultural da Universidade brasileira. Apesar da crise que assola a instituição em conseqüência da política atual do governo federal, o evento consegue se manter como espaço que congrega jovens artistas e profissionais consagrados em torno da utopia, da liberdade e da afirmação da sensibilidade"

José Alberto Nemer, professor aposentado da Escola de Belas-Artes e diretor do Museu de Arte da Pampulha