Editora UFMG relança obra indígena

Publicação resgata história oral da nação Kaxinawá, na Amazônia

 

ntre 1989 e 1995, um grupo de jovens professores Kaxinawá, povo indígena que habita a floresta tropical do leste peruano até o Acre, embrenhou-se em importante atividade: reconstituir parte da história oral de seu povo. Durante os seis anos de pesquisa, os índios entrevistaram seus mestres e representantes mais velhos com o objetivo de resgatar pérolas da mitologia Kaxinawá. As conversas com os anciãos foram gravadas e posteriormente transcritas e escritas em Hãtxa Kuï, um dos nove idiomas da família lingüística Pano existentes no Acre, e em Português. Realizado pelos jovens dentro de seu programa de formação como professores bilíngües, o trabalho culminou com o livro Shenipabu Miyui ­ História dos antigos, que reúne 12 narrativas de mitos indígenas. Publicado originalmente em 1995, pela Comissão Pro-Índio do Acre (CPI/AC), a obra será agora lançada pela Editora UFMG.

Além de formar a lista de livros do Vestibular 2001, Shenipabu Miyui, ou História dos antigos, é a primeira obra bilíngüe a ser publicada pela Editora da Universidade. Uma das características mais importantes do relançamento da publicação é justamente a iniciativa, por parte de uma instituição como a UFMG, de reconhecer a língua Hãtxa Kuï como idioma. A primeira edição, lançada em meados da década de 90 pela Comissão Pró-Índio, foi distribuída apenas entre os próprios Kaxinawá. Já o projeto da UFMG é mais abrangente. O apuro com o acabamento gráfico e a revisão editorial fazem parte de uma proposta de difundir a mitologia, cultura e expressão indígenas. Trata-se, ainda, de estímulo a futuras pesquisas literárias ou de cunho etnológico e científico.

A apresentação da obra é feita por Nietta Lindenberg Monte, coordenadora pedagógica da Comissão Pró-Indio do Acre. As doze narrativas que compõem Shenipabu Miyui estão recheadas das visões e criações dos Kaxi, que se auto-denominam Huni Kuï, ou "gente verdadeira". O título das histórias ilustra a temática perseguida pelos mestres da tradição indígena. Dentre os textos estão História da feiticeira cega, O segredo da cobra, História do relâmpago e do trovão, O sapo encantado ou a História de um homem muito sovina.

O projeto gráfico da nova edição de Shenipabu conta com inúmeras ilustrações feitas por alunos e pelos próprios professores Kaxinawá. São desenhos criados a partir da impressão de cada artista diante das lendas relatadas por seus mestres indígenas, revelando a preocupação da Editora UFMG com "a integração texto-imagem", lembra Olga Maria Alves de Souza, responsável pela preparação e revisão dos textos. O lançamento oficial de Shenipabu Miyui está previsto para o dia 9 de julho, em Diamantina, durante a abertura do 32 Festival de Inverno da Universidade.

Massacre e reorganização

Localizada na floresta tropical em territórios brasileiro e peruano, num trecho que vai dos Andes ao Acre, a nação Kaxinawá possui hoje cerca de cinco mil remanescentes. Os primeiros contatos entre os índios e os seringueiros, há anos em atividade no território, datam da segunda metade do século 19. A partir de 1898, começam os primeiros massacres de populações indígenas, sobretudo por caucheiros peruanos, que cercavam suas aldeias, queimavam as casas e assassinavam moradores. Com o passar dos tempos, os Kaxinawás foram se reorganizando social e politicamente. Recentemente, o início do programa de formação de professores indígenas, realizado pela Comissão Pró-Índio do Acre, marcou uma nova fase na vida dos Kaxinawás. Eles ganharam mais autonomia e poder em relação a discussão de temas como terra, saúde, educação e meio ambiente.

 

Obras do Vestibular comemoram 500 anos

A obra Shenipabu Miyui ­ História dos antigos é a grande novidade da relação dos livros do Vestibular 2001 da UFMG. A lista inclui Primeiras histórias, de Guimarães Rosa, Macunaíma, de Mário de Andrade, O livro das ignorãças, de Manoel de Barros, e Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus. A escolha das obras foi norteada pelos 500 anos de descobrimento do Brasil. Por isso, obras de escritores clássicos figuram ao lado de um texto indígena ­ Shenipabu ­ e outro de elevada densidade poética ­ Quarto de despejo ­ de autoria de uma escritora semi-analfabeta.