Busca no site da UFMG




Nº 1331 - Ano 28 - 13.12.2001

Governo autoriza fabricação de vacina

desenvolvida no ICB

Autorização coroa trabalho de décadas

desenvolvido pela equipe do professor Mayrink

Virgínia Fonseca

epois de 30 anos de trabalho, o professor Wilson Mayrink, do Departamento de Parasitologia do ICB, acaba de receber aquela que talvez seja a melhor notícia de sua carreira de cientista. O Ministério da Saúde autorizou a fabricação da vacina contra Leishmaniose que a equipe comandada por ele desenvolve desde a década de 70. A vacina obteve resultados especialmente positivos no combate à Leishmaniose Tegumentar, mas também ataca outras formas da doença. A aprovação vale apenas para uso terapêutico da vacina, que deverá ser fabricada pela Biobrás, laboratório com sede em Montes Claros.

Mayrink começou a trabalhar nas pesquisas sobre Leishmaniose em 1972, a partir de estudos que o pesquisador paulista Sales Gomes havia iniciado em 1939 e não pode pôr em prática por falta de recursos econômicos. Em 1980 a equipe de Mayrink obteve os primeiros resultados, mas o professor conta que o caminho percorrido foi longo. "A maioria das pessoas não acreditava que pudéssemos chegar aos resultados que temos hoje", lembra.

Os testes iniciais, feitos entre 1980 e 1983, com oficiais do Exército na Amazônia e em Belo Horizonte e com moradores de Caratinga, na Zona da Mata Mineira, apontaram um percentual de eficiência profilática que varia de 50 a 70%. Em 1986, a vacina foi oficializada pelo Ministério da Saúde, que aprovou os resultados obtidos, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) autorizou sua fabricação pela Biobrás. Mas, quatro anos depois, por razões que o professor afirma desconhecer, a produção foi desautorizada pelo Ministério da Saúde. "Mas continuamos trabalhando", salienta Mayrink.

Embora a tecnologia de produção da vacina tenha sido desenvolvida na UFMG, o professor Mayrink ressalta que ela é fruto de estudos anteriores. "Não posso dizer que descobri tudo, foi um trabalho de equipe. Nós aperfeiçoamos a vacina e fizemos os testes", ressalta.

Eficiência

O professor conta que, desde os primeiros testes, foram feitos inúmeros aperfeiçoamentos na vacina. O ensaio inicial foi realizado quando ela ainda era chamada polivalente, ou seja, continha em sua fórmula cinco cepas ou espécies do parasita, de diferentes estados. Mais tarde, foi produzida uma versão monovalente. "Entre as cepas anteriores, foi escolhida a mais potente imunologicamente", explica Mayrink. Segundo o pesquisador, trata-se de uma vacina de preparo simples. "O caminho está aberto. Os cientistas podem trabalhar com a chamada vacina de segunda geração, que é genética, de recombinamentos".

O emprego terapêutico da vacina reduz em mais de 50% o uso do antimônio, medicamento padrão utilizado até hoje. Esse tipo de tratamento, que conjuga vacina e medicamento, é chamado de imunoquimioterapia. De acordo com Mayrink, o resultado final é de praticamente 100% de cura, em tempo menor do que quando se usa só o antimônio. Quando somente a vacina é usada no tratamento, o processo de cura é mais lento, pois depende do estado imunológico da pessoa. "A vacina tem, ainda, a vantagem de ser aplicada em todos os casos de leishmaniose cutânea que não permitem utilização do antimônio", acrescenta o pesquisador.

Mayrink lamenta o fato de a vacina não ter sido aprovada também para fins profiláticos. "Se ela é capaz de levar à cura da lesão, também pode produzir um estado de resistência à doença", afirma. Ele conta que o método já está sendo utilizado na região de Caratinga, com resultados satisfatórios. "De praticamente três mil casos vacinados, apenas três ou quatro contraíram a doença, mas nenhuma vacina garante 100% de imunidade", completa.

Mas ele acredita que a aceitação da vacina para profilaxia é uma questão de tempo. Ainda não existem números exatos sobre o percentual de eficiência profilática da versão monovalente, que está sendo testada agora. Mas Mayrink, que já ajudou a tratar quase sete mil casos de leishmaniose no Ambulatório Paulo Magalhães, em Caratinga, tem experiência de sobra para acreditar que os resultados positivos virão. "Dizem que o preço da vitória é altamente custoso", ensina.

Ocorrência

A Leishmaniose é uma doença de ocorrência dispersa no Brasil. Belo Horizonte registra muitos casos, mas as zonas de maior incidência são o Norte, o Nordeste do País e o norte de Minas. Apenas na região Sul os casos da doença são mais raros. O parasita causador da doença é a leishmania, transmitida ao homem pelo mosquito flebotomínio, após picar um animal contaminado - reservatório do parasita.

A Leishmaniose Tegumentar, que causa feridas apenas na pele, é a mais comum em Minas Gerais. Há também as versões mucotegumentar, que ataca também as mucosas nasal e faringiana; a visceral, que atinge baço, fígado e médula óssea; e a difusa, que ataca a pele com um tipo diferente de lesão. Esta última era tida como incurável, mas agora está sendo combatida, com sucesso em muitos casos, pela imunoquimioterapia.