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Nº 1369 - Ano 29 - 03.10.2002

O reitor da resistência

Professor Aluísio Pimenta teve uma relação conflituosa com os militares

 

le já foi ministro da Cultura, alto funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e ajudou a fundar cerca de 30 universidades em toda a América Latina e Caribe. Mas nenhum desses cargos, cujo exercício certamente honraria qualquer cidadão brasileiro, desperta no professor Aluísio Pimenta tanto orgulho quanto o de ter sido reitor da UFMG no período de 1964 a 1967, um dos mais atribulados da história nacional.

"Me orgulho muito de ter sido reitor de uma instituição como essa, que sempre teve vocação democrática", afirma Pimenta. Uma vocação que ele teve a oportunidade de comprovar ainda como estudante de Farmácia. Em dezembro de 1945, Pimenta formou-se em Farmácia pela então UMG. Foi o orador da turma e fez um discurso em defesa da democracia e liberdade de pensamento. "Era um discurso que hoje não teria nada de mais, uma água-com-açúcar ". Mas naquela época marcada pela ditadura do Estado Novo, as palavras do farmacêutico idealista chocaram. "Todas as autoridades do governo e secretários de estado se retiraram da mesa em protesto. Só ficaram os professores da Universidade". Ele temeu represálias: "Teve gente, inclusive professores da Universidade, que disse que eu perderia o diploma". Aconteceu o contrário. Meses depois, ele já dava aulas como assistente do professor Alberto Teixeira Paes, na Faculdade de Farmácia.

Cabeleira

Aluísio Pimenta assumiu a Reitoria da UFMG em 21 de fevereiro de 1964. Aos 39 anos, foi o mais jovem professor a dirigir a principal universidade mineira. Começava aí sua conflituosa relação com o regime militar. Uma convivência que durou pouco mais de três anos, mas que acabou pontuada por lances tensos e alguns até pitorescos. O ex-reitor da UFMG conta o episódio em que recebeu um recado de um oficial subordinado ao general Carlos Luís Guedes, da Infantaria Divisória nº 4. Guedes queria que o reitor baixasse uma norma proibindo os estudantes de ostentarem cabelos longos. Pimenta fez chegar uma resposta malcriada ao general. "Não mando nem meus filhos cortarem o cabelo", disse o então reitor, pai dos cabeludos Ricardo e Aluísio César.

Mas a cabeleira dos alunos da UFMG não foi o único ponto de discordância entre o reitor e o General Guedes. Obcecado pela idéia de que a Universidade era um refúgio de comunistas e corruptos, Guedes determinou que o professor Aluísio Pimenta instituísse uma comissão, sob a presidência de um coronel, para investigar a ação de subversivos. O reitor nomeou a comissão _ sem ninguém do Exército _ e 30 dias depois apresentou os resultados da investigação ao general Guedes. Sua conclusão foi de que a Universidade não era um antro de comunistas. Carlos Guedes chamou o relatório de "farsa" e deu um murro na mesa. "Respondi com dois murros e disse a ele que não admitia uma ofensa daquela à Universidade", relembra o ex-reitor.

Não demorou muito, veio o que parecia inevitável: a deposição de Aluísio Pimenta do cargo de reitor, no dia 9 de julho de 1964. Guedes nomeou um interventor, Expedito Orsi Pimenta. Reitor deposto, Aluísio Pimenta saiu da Universidade de carona no jipe do vereador Henrique Novais para iniciar a articulação política que o reconduziria ao cargo. Comunicou o fato ao governador Magalhães Pinto e ao ministro da Justiça, Milton Campos. Três dias depois, voltou a dar expediente no gabinete da Reitoria.

Além de resistir às investidas dos militares, Aluísio Pimenta comandou uma série de transformações na Universidade. Sob sua gestão, a UFMG criou faculdades e institutos centrais, antecipando a reforma universitária de 1968. Ele garante que foi na sua gestão que a figura do reitor assumiu, de fato, a função de principal dirigente da Universidade. "Até então, os diretores de unidades tinham muito poder", conta.

Um exílio produtivo

Aposentado compulsoriamente pelo AI-5 em 1968, Aluísio Pimenta morou 17 anos no exterior. Como funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), fundou universidades e ajudou a implantar projetos de educação e ciência e tecnologia nas Américas, China, Japão e Índia.

Seu exílio foi interrompido em 1983, quando passou a dirigir a Fundação João Pinheiro, a convite do então governador Tancredo Neves. Dois anos depois, foi nomeado ministro da Cultura pelo presidente José Sarney. Em 1991, assumiu a direção da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), onde permaneceu até 1998.

Aos 79 anos, completados em agosto passado, Aluísio Pimenta continua em plena atividade. É presidente do Centro de Estudos Teotônio Vilela, ligado ao PSDB.