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Nº 1378 - Ano 29 - 12.12.2002

Muito além do mingau

Pesquisadores do ICB estudam propriedades da bactéria láctica em parceria com instituto francês

Ana Siqueira

s bactérias lácticas (lactococcus lactis) são velhas conhecidas da humanidade. Utilizadas na produção de alimentos como iogurte, queijo, vinho, salsicha e frios, também proporcionam efeitos reconhecidamente benéficos para a saúde. Pesquisas desenvolvidas pela UFMG em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisa Agrária da França (Inra) estão contribuindo para alargar o espectro de benefícios das bactérias presentes no leite, ao usá-las na produção de vacinas e medicamentos.

A tendência de ampliar a aplicação desses microorganismos, potencializando seus efeitos sobre a saúde, começou na década de 80. "A partir de então, desenvolvemos instrumentos mais sofisticados para modificar geneticamente as bactérias", explica Vasco Azevedo, professor do ICB e coordenador do projeto. Ele lembra que Minas Gerais é um dos estados com maior produção de derivados do país, o que justifica ainda mais a pesquisa na área.

Pesquisas

Sob a denominação de Novas utilizações terapêuticas e biotecnológicas das bactérias do ácido láctico, essa linha de pesquisa desdobra-se em diversas frentes de trabalho, conjugando pesquisa básica e aplicada. "A pesquisa básica é o início de tudo, mas temos a preocupação de gerar também produtos e patentes, respondendo à demanda da sociedade", afirma Vasco Azevedo.

Uma das frentes com resultados mais significativos é a que pesquisa a modificação genética das bactérias lácticas para a elaboração de vacina viva contra a brucelose. Há, no mercado, uma vacina contra a brucelose que pode gerar alguns efeitos colaterais: provoca aborto em fêmeas gestantes, é patogênica para humanos e dificulta o diagnóstico de populações infectadas ao induzir anticorpos em animais imunizados.

De administração oral, a vacina pesquisada no ICB vale-se de bactéria láctica transgênica - com genes da brucelose - para favorecer a imunidade e tem apresentado resultados experimentais positivos, sem provocar os efeitos colaterais da vacina atualmente em uso. "Os testes feitos até agora com camundongos revelam que o lactococcus lactis vem-se mostrando um bom vetor vacinal. Mas, para chegarmos a um produto que possa ser comercializado, ainda temos um longo caminho de testes e variáveis a verificar", pondera Vasco Azevedo. Segundo ele, o desenvolvimento de uma vacina costuma levar cerca de dez anos. "A nossa está sendo pesquisada há apenas um ano e meio", afirma o professor.

Outra linha de pesquisa de destaque no projeto estuda a modificação da bactéria láctica para que ela seja capaz de exercer atividade antimicrobiana em alimentos. "Além de ser usada para a produção do alimento, a bactéria também evitaria que ele fosse contaminado por fungos e bactérias patogênicas, como a salmonela", conta o pesquisador. Há também estudo que prevê o desenvolvimento de instrumentos genéticos para aprimorar a produção de proteínas pelas bactérias lácticas e pesquisa para fazer com que o lactococcus lactis atue na proteção do epitélio intestinal. Segundo Vasco Azevedo, "essa proteção poderia, por exemplo, atenuar os efeitos colaterais de uma radioterapia na região gastrointestinal".

Cooperação

A parceria com o Inra começou em 1998, através do programa Capes/Cofecub (Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil). Elaborado pelo ICB e Inra, o projeto foi aprovado para dois anos e renovado por mais dois. O convênio concede bolsas e arca com os custos das missões de trabalho - visitas bianuais à instituição parceira. Segundo o professor Vasco Azevedo, os parceiros conseguiram estabelecer uma dinâmica de trabalho muito eficiente. "Discutimos os tópicos importantes, dividimos tarefas, trocamos informações diárias por e-mail, nos falamos por telefone duas vezes ao mês e produzimos relatórios conjuntamente", conta ele, que cursou mestrado e doutorado no Inra.

O lado brasileiro do projeto conta também com financiamento da Fapemig e do CNPq. A equipe agora busca financiamento para os próximos anos e tenta aumentar a interação com laboratórios e pesquisadores brasileiros e franceses.

 
A brucelose é uma doença crônica causada pela bactéria Brucella, cuja principal espécie atinge os rebanhos bovino, suíno, ovino, caprino, além de outros animais. Incurável, leva as fêmeas a abortarem seus filhotes e provoca inflamações nos testículos dos machos. A enfermidade também atinge o homem, causando febre, lesões articulares e insônia.