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Nº 1418 - Ano 29 - 27.11.2003

 

 

O gigante negro

Rogério Lúcio de Almeida*


ento e quinze anos depois de outorgada a abolição da escravatura, os afro-descendentes brasileiros continuam vivendo à margem do sistema: são subvalorizados, têm a imagem social desrespeitada e não desfrutam do menor reconhecimento pelos anos de trabalho prestados à nação.

É impressionante: o Brasil possui 8,5 milhões de quilômetros quadrados de área e dispõe de inúmeros recursos naturais inexistentes em qualquer outro lugar do mundo, além de contar com uma grande população, mais de 175 milhões de pessoas. São números que fazem de nosso país o quinto do mundo em extensão territorial e em população, fatores que lhe conferem uma posição privilegiada e estratégica.

Do ponto de vista econômico, o Brasil também apresenta resultados bastante expressivos: só no primeiro semestre, nosso PIB somou R$ 711 bilhões. Em muitos aspectos, o Brasil supera países como Espanha, Canadá, Austrália, Suécia e Dinamarca, todos altamente desenvolvidos. Temos a maior economia e apresentamos o governo mais promissor da América Latina. Neste momento, o Brasil é, sem dúvida, a grande vedete do G-22, que tanto incomoda os Estados Unidos e outros países ricos.

Com estes indicadores, o Brasil se classifica, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), como uma das mais pujantes economias de países em desenvolvimento. Entretanto, este gigante pela própria natureza mostra-se extremamente ingrato e injusto para com os cidadãos que tanto contribuíram para torná-lo potencialmente tão grande. Somos o país com a segunda maior população negra do mundo - mais de 79 milhões de afro-descendentes, ficando atrás somente da Nigéria.

Segundo o último censo do IBGE realizado em 2002, os negros e mestiços representam aproximadamente 45% da população. Apesar das imprescindíveis contribuições ao seu crescimento, o gigante agradece impondo uma pseudodemocracia racial sobre esta população. São negros 66% dos pobres e 70% dos indigentes do país. Cerca de 60% dos negros brasileiros são analfabetos; suas condições de moradia são quatro vezes piores que as dos brancos; a expectativa de vida dos negros é de apenas 59 anos (a dos brancos chega a 64 anos); apenas 6% da população negra economicamente ativa está ocupada em atividades técnicas, científicas, artísticas e administrativas.

E as desigualdades não param: os negros trabalham mais - são os primeiros a entrarem e os últimos a saírem do mercado de trabalho. Apenas 15,5% dos réus negros respondem por seus crimes em liberdade (já entre os brancos esse índice é de 27%); a participação do negro em áreas "elitizadas" é ínfima; o número de negros que fazem o segundo grau no supletivo é duas vezes superior ao dos brancos; 14,7% dos estudantes que se formam em cursos universitários públicos e privados no Brasil são negros, enquanto 85,3% são brancos.

No mercado de trabalho, a situação também é dramática. Aos negros estão reservados apenas os serviços pesados - construção civil, agricultura e trabalhos domésticos (no caso das mulheres). Segundo o IBGE, cada ano a mais de estudo representa um acréscimo de 1,25 salário mínimo para os brancos; para os negros, a elevação de rendimentos é de 0,53 salário mínimo. Dados do Departamento de Estudos Socioeconômicos (Diesse) revelam que, entre os negros, a taxa de desemprego é três vezes maior que entre os brancos.

Sinceramente, isso não pode continuar, inversões nessa tendência precisam ser feitas imediatamente. É uma questão de justiça a devolução urgente da cidadania a esta população, pois ela é, de fato, a verdadeira credora do estado brasileiro. A cor da pele não pode continuar sendo fator determinante e se sobrepor à competência e à formação na disputa por uma vaga no mercado de trabalho. A abominável frase "exigimos boa aparência" deve ser banida do nosso convívio social. Pois, as dimensões das conseqüências desta exclusão racial estão ficando fora de controle. Estou convencido de que não haverá desenvolvimento econômico se não assumirmos uma postura diferente das anteriores diante dessa situação de exclusão racial. Ações responsáveis devem ser tomadas multilateralmente com o objetivo de apontar caminhos para banir qualquer espécie de segregação racial no Brasil. A população negra não clama por atitudes piedosas e paternalistas, mas por justiça e respeito.

*Mestre em Física pela UFMG e doutorando em Física na Unicamp

 
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