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Nº 1427 - Ano 30- 19.2.2004


Memória maxacali

Projeto da UFMG ajuda nação indígena
de Minas a preservar sua música

Patrícia Azevedo

raças à sua tradição oral, os maxacalis resistiram aos efeitos do processo de aculturamento e conseguiram preservar um dos seus mais importantes patrimônios: a música. Agora, essa nação indígena que habita aldeias no Nordeste de Minas conta com mais um aliado na luta pelo resgate da sua cultura: trata-se do projeto Memórias Musicais Indígenas, da UFMG, que registra em CDs e livros a produção musical dos maxacalis. Na semana passada, um grupo de professores indígenas esteve na UFMG participando de atividades relacionadas ao projeto, coordenado pela professora Rosângela Pereira, da Escola de Música.

As canções maxacalis foram gravadas nas próprias aldeias, e a edição, produzida na Escola de Música, em conjunto com os professores indígenas. "Não queremos fazer dos índios objetos de estudo, mas transformá-los em sujeitos do trabalho", esclarece Rosângela Pereira. Segundo ela, o projeto "apenas orienta e fornece alguma base técnica e teórica aos professores". O material produzido será utilizado pelos próprios professores no ensino das comunidades indígenas. "Queremos passar para os nossos alunos tudo o que fazemos aqui. Isso aqui (livros e CDs) é a nossa verdade, transmitida por nossos avós e pais", afirma Pinheiro, um dos professores indígenas.

Contrastes

Para Rosângela Pereira, há grandes contrastes entre a música indígena e a ocidental: "As notas musicais que utilizamos não se encaixam na música índigena. A técnica vocal é diferente, assim como a emissão do som. Os índios não utilizam o tempero da música ocidental, são muito detalhistas em seus cantos". A professora lembra, ainda, que, para os índios, a música é propriedade dos espíritos, não dos indivíduos. "Seus cantos representam a comunicação do mundo visível com o invisível. É um ritual sagrado que deve ser preservado", defende a professora. Também participam do projeto as professoras Maria Inês de Almeida, da Faculdade de Letras, que auxilia na tradução das músicas, e Conceição Bicalho, da Escola de Belas-Artes, que prepara os índios para desenvolver as capas e ilustrações dos materiais.

Memórias Musicais Indígenas é um desdobramento do Programa de Formação de Professores Indígenas, desenvolvido desde 1995 pela UFMG em convênio com a Secretaria de Estado da Educação. Integrante da equipe que coordenou o primeiro curso de formação, concluído em 1999, a professora Maria Inês Almeida conta que os índios demonstraram interesse em continuar suas pesquisas, principalmente nas áreas de linguagem e território. "Criamos um programa de extensão para atender a essa nova demanda", explica a professora. O resultado foi a implantação, em 2001, do programa Culturas Indígenas na UFMG, com o objetivo de aproximar os índios do ambiente acadêmico.

Pesquisadores de diversas áreas participam do projeto e promovem oficinas para ajudar os índios a ampliarem suas técnicas de ensino nas aldeias, onde somente os professores falam português. "As crianças aprendem a língua maxacali, daí a importância dos próprios índios desenvolverem as pesquisas e produzirem o material", diz Maria Inês. O projeto resultou na criação do Laboratório Intercultural formado por professores da Faculdade de Letras e Fafich e escolas de Belas-Artes e de Música.

Surgido a partir do Laboratório Intercultural, o Literaterras é um grupo que trabalha com a tradução de textos de línguas indígenas para a língua portuguesa. O objetivo é proporcionar meios para que índios registrem suas tradições e os utilizem nas aldeias. "Queremos que os índios dominem os processos de comunicação para produzir conhecimento e não apenas para receber, como ocorre até hoje", afirma Maria Inês.

Foto: Na Escola de Belas-Artes, professor indígena aprendeu técnicas para ilustrar os livros e CDs.

A reserva dos índios maxacalis fica no Vale do Mucuri, no Nordeste de Minas Gerais, onde por mais de 300 anos os índios mantiveram uma convivência, nem sempre pacífica, com os brancos. A região foi alvo de depredações e desmatamentos, que resultaram na perda de grande parte das reservas naturais. "Esses choques causaram muito sofrimento à tribo. Suas terras foram invadidas por fazendeiros e retomadas há quatro anos", afirma a professora Rosângela Pereira. De acordo com a Funai, a reserva Maxacali é habitada por cerca de 1.200 índios.