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Nº 1473 - Ano 31 - 24.2.2005


A vida em código de barras

Consórcio mundial quer expandir novo sistema
de identificação de espécies

Ana Maria Vieira


trajetória da borboleta Papilio demoleus, nas Américas, parece estar apenas no início. Coletada há dez anos por estudiosos norte-americanos, na República Dominicana, sua identificação permaneceu desconhecida por longo tempo e, sem encontrar predadores, expandiu o habitat para outras ilhas do Caribe. Hoje, cientistas prevêem que em breve alcançará o Brasil e a Flórida. Esta seria apenas uma entre milhares de migrações de espécies, se não fosse por um detalhe: Papilio, originária da Ásia, é considerada uma praga perigosa de citros, responsável por grandes prejuízos à agricultura. A identificação da espécie ocorreu apenas recentemente. A história seria outra se a ciência contasse com métodos mais rápidos de discriminação.

Relatos como esse têm corrido o mundo, sobretudo entre especialistas que trabalham com barcode*, sistema que possibilita a identificação mais rápida de espécies. A técnica permite extrair identificadores únicos para cada organismo vivo a partir da leitura de seqüências curtas de DNA e, por esse motivo, recebeu o nome de código de barras. A analogia às etiquetas identificadoras de produtos foi estabelecida em 2001 pelo cientista canadense Paul Hebert. Ele recorreu à técnica para discriminar 260 espécies de aves da América do Norte.

Técnica semelhante ao barcode existe desde o início dos anos 90, mas apenas agora seu uso foi proposto para inventariar espécies em larga escala. Pesquisadores acreditam que a disseminação do procedimento facilitará a formação de grandes bancos de dados sobre as espécies, abertos a consulta pública na Internet. Eles esperam encontrar respostas rápidas e confiáveis submetendo, a esses sistemas de informação, os códigos de barra extraídos de segmentos de DNA da espécie sob consulta.

Revolução

"O DNA barcode revolucionará a forma de identificar a biodiversidade e democratizar o acesso a essas informações", prevê o professor Fabrício Rodrigues Santos, do departamento de Biologia Geral do ICB. Ele avalia que o sistema, apesar de mais rápido e ter um custo dez vezes menor, não substituirá a taxonomia clássica, que identifica espécies a partir de análises morfológicas. "Os dois processos devem se complementar", acredita o professor. A taxonomia é responsável pela geração de informações utilizadas na identificação de cada espécie da fauna, flora e de microorganismos. O DNA barcode é específico para discriminar organismos.

A discussão sobre a nova técnica e a formação do Consórcio para a Codificação em Barra da Vida (CBOL) , destinado a incentivar a pesquisa e a produção de barcodes para espécies novas e conhecidas, reuniu, em fevereiro, no Museu de História Natural de Londres, cientistas de todo o mundo no 1 o Congresso Internacional para Codificação em Barras da Vida. De acordo com Fabrício Santos, um dos quatro brasileiros presentes, o evento está sendo comparado ao primeiro congresso de impressão digital de DNA, no final da década de 1980. "A partir dele, ocorreram importantes mudanças na utilização do DNA e grandes impactos para a medicina e a ciência forense", recorda o professor.

Ele informa que o consórcio deverá organizar conferências e catalisar a colaboração entre vários pesquisadores para "etiquetar" geneticamente a biodiversidade do planeta. Atualmente, são conhecidas 1,7 milhão de espécies de plantas e animais. Acredita-se, porém, que esse número é bem maior, variando de 10 a 30 milhões de espécies, e o uso de DNA barcode pode acelerar o conhecimento sobre elas. Segundo proposta do consórcio, peixes, pássaros e árvores devem ser os três primeiros grupos a serem registrados.

O uso de barcode também facilitará a identificação de microorganismos e de espécies crípticas, isto é, morfologicamente idênticas. Sua aplicação na biomonitoração de alimentos, de pragas agrícolas e no controle sobre crimes ambientais e qualidade da água já são realidade em países como Estados Unidos, Nova Zelândia, Estados Unidos e Alemanha.

*Sigla em inglês para código de barra, barcode é obtido a partir de seqüências curtas de DNA de um gene de cada espécie, e que serve para identificá-la. Essas seqüências possuem de 300 a 700 pares de base _ conjuntos de Guanina+Adenina e Timina+Citosina. Para barcode são usadas seqüências encontradas preferencialmente nos genes citocromos, responsáveis pela metabolização do oxigênio na mitocrôndria. Nesses genes e em outros há informação suficiente para discriminação de espécies