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Nš 1503 - Ano 32
06.10.2005



Memórias de uma faficheira

Jornalista conta em livro sua experiência como ex-aluna da Fafich no final da ditadura militar

Flávia Camisasca

ma ilha de liberdade em um mar de repressão. É assim que a jornalista Clara Arreguy define a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, a Fafich, no final dos anos 70. A jornalista, que estudou na Unidade de 1978 a 1985, conta a sua experiência de "faficheira" no livro Fafich, que integra a coleção BH _ A cidade de cada um. O livro foi lançado no dia 27 de setembro, juntamente com outras duas obras da coleção: Rua da Bahia, de José Bento Teixeira Salles, e Parque Municipal, de Ronaldo Guimarães.
Eber Faioli

Clara Arreguy e a Fafich: experiência em livro

"Minha experiência na Fafich foi tão marcante que foi preciso escrever um livro para contá-la", brinca Clara. Quando a jornalista entrou na Fafich como estudante de comunicação social em 1978, o Brasil vivia um momento em que os movimentos sociais se reorganizavam para retomar a luta contra a ditadura e pela redemocratização.

Além da militância

Mas nem só de militância vivia a Fafich de Clara Arreguy. Diferentemente da geração anterior, que considerava alienação tudo o que não estivesse nos limites circunscritos pela luta política, a turma do final dos anos 70 era mais relaxada. "Para eles, futebol era o ópio do povo, e as festas afastavam a juventude de sua missão. A minha geração não foi assim, a gente ia ao Mineirão, assistia novela, dançava, curtia a vida", compara a autora, que durante anos trabalhou no jornal Estado de Minas e hoje é editora de cultura do Correio Braziliense.

Indagada sobre o que mais a marcou durante os anos de chumbo, Clara Arreguy não titubeia: foi a prisão, em junho de 1977, de 300 pessoas que tentaram participar do 3o Encontro Nacional dos Estudantes, no DA da Medicina. "A polícia reprimiu e cercou o prédio da Escola de Medicina, a rodoviária e as entradas da cidade. O pessoal que vinha de outras cidades começou a ser preso. Foi um encontro traumático", relata. No momento da confusão, Clara, que ainda era estudante secundarista, seguia para o DA de Medicina e acabou correndo dos cães da polícia.

Lugar das diferenças

A Fafich até hoje é vista como um lugar que abriga as diferenças, onde é possível encontrar "faunas" de todos o tipos. "É um lugar propício para reunir pessoas de todas as tendências e vanguardas", afirma a jornalista. Viver naquele ambiente era o sonho de grande parte dos jovens idealistas da capital mineira. "Entrar lá era uma coisa que a gente queria muito. Sabíamos que as coisas aconteciam, ao contrário do resto do país que vivia sob forte repressão", lembra Clara Areguy, para quem "o próprio prédio da Carangola era um símbolo que carregava a mística do lugar que foi invadido pela polícia, palco dos nossos teatros e assembléias e que já não existe mais".

E a Fafich de hoje? "É uma escola mais normal, onde as pessoas vão para estudar. Na minha época, estudar talvez fosse a atividade menos importante", diz a autora, que voltou poucas vezes ao novo prédio _ nem tão novo assim porque foi inaugurado em 1990, cinco anos depois que se graduou. Numa das últimas visitas à Unidade, Clara não encontrou sequer vestígios da velha Fafich, como relata no final do livro. "Nada com cara ou marca de faficheiro. Ninguém mais carrega bolsa de couro atravessado, sandália com dedo sujo de fora, restos de tinta sob as unhas das mãos. Outros tempos, outros atores. Será que o faficheiro não existe mais?", pergunta.

Livro: Fafich
Autora: Clara Arreguy
Coleção: BH. A cidade de cada um (www.bhdecadaum.com.br)
Editora: Conceito Editorial
Preço: R$ 15