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Nº 1509 - Ano 32
17.11.2005

Veríssima ironia

Para autora de dissertação da Fale, crônicas do escritor Luis Fernando Verissimo exigem leitor perspicaz

Ludmila Rodrigues

ecordista de vendas no país, o escritor Luis Fernando Verissimo já foi apelidado de "paixão nacional". Com vários contos e crônicas editados em livros e publicados nos principais jornais brasileiros, o autor é considerado um dos ícones do entretenimento literário. Diverte milhões com crônicas sobre a vida privada, o futebol ou o sexo. Mas seus temas não param por aí: nas páginas de Verissimo também há espaço para política, artes, música erudita, jazz, filosofia, temas sempre incrementados com muita ironia e vocabulário apurado. Definitivamente, não é para qualquer um.
Sylvio Sirangelo (do livro A Mesa Voadora, da Editora Objetiva

Luis Fernando Verissimo: erudição e vocabulário sofisticado

"A versatilidade de conhecimento de Verissimo é muito grande", afirma a professora universitária Ana Maria Madeira, que defendeu a dissertação Da produção à recepção: uma análise discursiva das crônicas de Luis Fernando Verissimo, na Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade de Letras (Fale).

Segundo ela, apesar de tratar de assuntos corriqueiros, típicos do gênero crônica, o autor revela amplo leque de comparações, referências e vocabulário, que exigem um leitor capaz de acompanhar o autor em seu amplo domínio do conhecimento. "Muitas vezes, fatos simples do cotidiano são tratados de maneira complexa", acrescenta a pesquisadora, cujo trabalho focou 12 crônicas publicadas no jornal Estado de Minas, entre 17 e 29 de dezembro de 2002.

Dicionário no bolso
Infausto, decúbito, estofo e compungir são algumas das palavras pouco usuais encontradas pela pesquisadora nas crônicas de Verissimo. Ao lado do vocabulário sofisticado, aparecem personalidades de vários campos do conhecimento: a cantora de jazz Diana Kral, o cineasta sueco Ingmar Bergman, o lingüista norte-americano Noam Chomsky, o escritor francês Gustave Flaubert e o compositor húngaro Béla Bartók.

Todos, de alguma maneira, foram personagens de crônicas do autor, que, segundo Ana Maria Madeira, não realizam percursos de pensamento muito simples. “Às vezes, chega a ser hermético. Em uma crônica, ele já juntou o Dalai Lama, Pelé e o jogador Robinho”, comenta.

“Para Verissimo, o leitor deve ter um decodificador”, diz Ana Maria, lembrando a crônica do escritor intitulada Da ironia, publicada em 19 de dezembro de 2002. A ironia é um recurso recorrente nos textos do autor, chegando, por vezes, a confundir os leitores. Ana Maria lembra da crônica A audácia, em que o escritor critica a repercussão do episódio em que o recém-eleito presidente Lula celebrara a vitória nas eleições com um jantar regado a Romanée-Conti, vinho cuja garrafa custava, à época, cerca de R$ 6 mil.

De acordo com Ana Maria Madeira, que acompanhou a repercussão do caso, a imprensa não perdoou a atitude do presidente recém-eleito. O autor caprichou na ironia. “Ele chamou Lula de ‘gentinha’, parecendo mesmo estar indignado com o episódio”, explica a pesquisadora.

No dia seguinte à publicação de A audácia, a seção de Cartas do jornal publicou mensagem de leitor condenando Luis Fernando Verissimo. Ele acreditou piamente que as palavras do escritor eram preconceituosas. “Um fato como este demonstra como o leitor deve ser hábil o suficiente para perseguir as pistas estrategicamente construídas pelo cronista e que permitirão o desvendamento de sua mensagem”, conclui a professora.

Infausto: infeliz, desgraçado, mau
Decúbito: posição de quem está deitado
Estofo: firmeza, força de caráter
Compungir: pungir, afligir, atormentar

Dissertação: Da produção à recepção: uma análise discursiva das crônicas de Luis Fernando Verissimo
Autora: Ana Maria Madeira
Orientador: professor Renato de Mello
Defesa: Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade de Letras (Fale