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Nº 1522 - Ano 32
16.03.2006

Ensino fundamental de nove anos:
um importante passo à frente

Antônio Augusto Gomes Batista *

presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, dia 7 de fevereiro, o projeto que amplia de oito para nove anos a duração do ensino fundamental no país, nível de ensino que, pela legislação brasileira, deve ser universal e obrigatoriamente ofertado pelo Estado. A ampliação complementa a lei já em vigor que prevê a entrada nesse nível de ensino aos seis anos de idade.

A duração da escolarização obrigatória brasileira era uma das menores da América Latina. No Peru, ela tem onze anos. Países como a Venezuela, o Uruguai e a Argentina prevêem uma escolarização compulsória de dez anos. Além disso, o Brasil era o único país da América Latina cuja educação obrigatória se iniciava aos sete anos. Na maioria dos países latino-americanos (assim como na América do Norte e Europa), ela começa aos seis anos, embora as crianças argentinas, colombianas e equatorianas ingressem aos cinco.

As medidas são positivas? Evidentemente que sim e por várias razões. No que diz respeito à ampliação da escolarização obrigatória, os benefícios são evidentes. A escola vive de tempo e é em torno do tempo que se organiza. Tendo mais um ano, ela pode cumprir melhor seus papéis: dispõe de um prazo maior para socializar a criança, possibilitar sua inserção num universo cultural novo e criar mais oportunidades de aprendizado. Além disso, a medida permite que uma parcela maior da população em idade escolar se beneficie, em tempos de vacas magras, das políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade de ensino.

Assentadas nos deveres constitucionais do Estado para com a educação fundamental, ações organizadas em torno de programas como a merenda escolar ou o livro didático, que distribui gratuitamente livros escolares para todos os estudantes do ensino fundamental, podem atingir um público mais amplo. Por último: até que se conclua a aprovação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), os municípios e estados brasileiros, sobretudo os mais pobres, dispõem apenas de linhas de financiamento para o ensino fundamental.

Assim, um efeito secundário da medida é fornecer meios para, mesmo antes da aprovação do Fundeb, assegurar a inclusão de um grande contingente de crianças na escola pública. Minas Gerais, por exemplo, por ter instituído o ensino fundamental de nove anos no final de 2003, já permitiu que mais crianças tivessem acesso à escola pública. É por tudo isso que o aumento da duração da educação fundamental já constituía uma meta do Plano Nacional de Educação, lançado em 2001.

Também são evidentes os benefícios do ingresso na escola aos seis anos. Em primeiro lugar, pesquisas vêm mostrando que uma entrada mais precoce tem repercussões positivas na continuidade da escolarização. A criança que entra mais cedo na escola – seja na educação infantil ou fundamental – tende a alcançar pelo menos dois anos a mais de escolaridade do que aquela que entra mais tarde. A criança mais nova está vivendo um acentuado processo de desenvolvimento lingüístico e cognitivo e pode, por isso, permitir à escola alcançar melhores resultados.
Em segundo lugar, um dos problemas históricos da educação brasileira reside na alfabetização de suas crianças. Vivemos um reiterado fracasso em ensinar a língua escrita. Os índices nacionais de repetência na primeira série alcançam 30%. Os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) mostram que mais de 50% das crianças matriculadas na 4ª série do ensino fundamental não entendem o que lêem ou não são alfabetizadas. Se as crianças são matriculadas mais cedo, a escola pode dispor de condições mais adequadas para alfabetizá-las, incluindo aquelas pertencentes a meios populares e pouco escolarizados: uma importante base da alfabetização consiste na familiarização com o mundo da escrita e com a cultura escolar; se as crianças de meios favorecidos são, na escola, como “peixes na água” é porque se familiarizaram, em sua socialização primária, em ambientes fortemente influenciados pela cultura escolar e pelo mundo da escrita.

É preciso permitir essa familiarização mais precoce das crianças de meios populares com esses universos culturais que são novos para ela. Entrar mais cedo na escola significa experimentar de modo mais precoce a cultura da escola e da escrita. Por último: não é bom, pedagogicamente, que os esforços pela alfabetização, que se acentuam a partir dos seis (às vezes cinco) anos de idade se dispersem entre a educação infantil e a fundamental.

Com certeza, é importante buscar universalizar o acesso à pré-escola. É temerário, certamente, possibilitar a entrada mais precoce no ensino fundamental sem fornecer adequadas condições didático-pedagógicas para o acolhimento da criança. Sem dúvida, a educação fundamental está contaminada pela cultura da repetência e pelo preconceito em relação à criança de meios populares. É preciso enfrentar esses problemas e desafios. Mas demos um importante passo à frente.


*Professor da Faculdade de Educação da UFMG e diretor do Centro de
Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale)

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