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Nº 1526 - Ano 32
13.04.2006
Mulheres politizadas de Hollanda
Dissertação analisa o discurso de resistência à ditadura militar
em canções femininas de Chico Buarque
Maurício Guilherme Silva Jr.
primeiro homem nada nega à mulher amada. O segundo, embrutecido, jamais lhe oferece algo. Por fim, alheio às necessidades femininas, o terceiro nada faz: apenas vive o momento, instalando-se, “feito um posseiro”, no coração da musa. Argumento principal dos versos de Teresinha, clássica canção de Chico Buarque de Hollanda, essa narrativa aparentemente ingênua e romântica guarda segredos “cor-de-chumbo”. Nos três encontros imaginários , o compositor esculpe metáforas para sua relação – em plena ditadura militar – com o público, cujo assédio assusta o jovem artista; com a repressão, que, bruta, “arranha-lhe” os direitos; e com a liberdade, sentimento que, sorrateiro, monta praça em seu peito.
Investigar as estratégias literárias e nuances metafóricas do cancioneiro de Chico, nas décadas de 60 e 70, foi a intenção de Janaína Assis Rufino em sua dissertação de mestrado As mulheres de Chico Buarque: análise da complexidade discursiva de canções produzidas no período da ditadura militar, defendida, em março, dentro do programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade de Letras (Fale) da UFMG. Como objeto específico de estudo, a pesquisadora analisou o discurso dos versos de doze canções, todas com nomes de mulheres: A Rita e Tereza Tristeza (1965), Carolina e Januária (1967), Benvinda (68), Ana de Amsterdã, Bárbara e Joana Francesa (72/73), Angélica e Teresinha (77/78), A Rosa e Luísa (1979).
“Escolhi canções com nomes femininos e pequenos complementos, como artigos ou adjetivos. Procurei analisar, em versos aparentemente dedicados a mulheres, as estratégias discursivas para burlar a ditadura militar”, explica Janaína Assis. Para olhar criticamente a obra do compositor, a pesquisadora valeu-se do mecanismo denominado “modelo de análise modular”, originário da Suíça e trazido à UFMG pela professora Maria Sueli Pires, da Fale. Pelo método, o discurso pode ser dividido em módulos, simples e complexos, que, após a análise, são reaproximados.
Relação com o mundo
No caso da obra de Chico, Janaína Assis buscou investigar, nos versos das 12 canções escolhidas, as dimensões “lingüística”, “textual” e “situacional” do discurso. A primeira análise diz respeito a questões de cunho lexical e sintático. A segunda, relaciona-se à hierarquia do texto. Por fim, a porção “situacional” indica a interação dos personagens literários e os fatores sociais envolvidos na produção da canção. A partir dessa metodologia, uma das tentativas da pesquisadora foi compreender como as canções relacionam-se com o mundo em que se inserem. “Descobri que as canções de engajamento têm duas vertentes de ação: de um lado, o compositor busca divertir e conscientizar o público. De outro, há revelação da identidade do próprio compositor, de acordo com o momento sociopolítico”, resume.
Apesar de analisar características específicas de cada canção “feminina”, as conclusões obtidas na pesquisa servem para o conjunto das músicas “interpretadas”. O que se pode ver, a partir do estudo, é um Chico bastante politizado. “Na verdade, me decepcionei um pouco (risos). Esperava encontrar nas canções aquela sensibilidade que tanto encanta as mulheres. Contudo, a voz feminina é uma estratégia para burlar a opressão”, comenta.
Em outro nível de análise, Janaína busca entender a relação entre as personagens das canções. “O comportamento delas é indício das estratégias de burla. O compositor se afasta, apresentando-se através das vozes literárias que cria”, conta Janaína. Chico, em certo sentido, é polifônico: diversos discursos, cada um com função específica, dialogam entre si. Que o diga a já descrita Teresinha, em que a mulher (Chico Buarque?) “conversa” com aqueles que lhe tiravam o sono em anos tão conturbados: o público, a ditadura e a liberdade.
Dissertação de mestrado: As mulheres de Chico Buarque: análise da complexidade discursiva de canções produzidas no período da ditadura militar Autora: Janaína Assis Rufino Defesa: 27 de março, dentro do programa de Pós-graduação em Estudos Lingüísticos (Poslin) da Faculdade de Letras (Fale) |