Território minado

Com financiamento da Fapemig, projeto interdisciplinar da UFMG mapeará áreas de conflito ambiental em Minas Gerais

Maurício Guilherme Silva Jr.

inas Gerais é um dos mais importantes pólos de desenvolvimento do País. Além de vasta infra-estrutura de energia, expressa em suas centenas de barragens, o Estado se destaca pela diversificação produtiva: siderurgia, mineração, agronegócio. Para que tais atividades evoluam e gerem divisas, é necessária a ocupação de milhões de hectares. Na maioria das vezes, contudo, os espaços pleiteados pelas empresas não representam “vazios territoriais”. Ao contrário, muitos deles abrigam ecossistemas únicos, como Mata Atlântica e Cerrado, e reúnem a maior riqueza de uma soberania: gente.

Foca Lisboa

Andréa Zhouri: investigação sobre os impactos do desenvolvimento


Das disputas por território, situações que envolvem ao menos dois grupos, nascem os chamados conflitos ambientais. Nos “embates”, um dos dois “atores” tem sua manutenção e reprodução sociais ameaçadas pela apropriação do espaço almejado. “Neste caso, há sobreposição de significados territoriais. Um dos grupos é ameaçado pelo pleito do outro”, ressalta a professora Andréa Luisa Moukhaiber Zhouri, do departamento de Sociologia e Antropologia da Fafich e coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta).

Projeto coordenado pela professora Andréa, com financiamento da Fapemig, realizará, nos próximos dois anos, o mapeamento dos conflitos ambientais do Estado. Com R$56 mil de recursos, a primeira etapa da iniciativa analisará duas mesorregiões mineiras: a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e o Vale do Jequitinhonha. Interdisciplinar, o trabalho será transformado em um CD-ROM com mapas, vídeos e demais informações sobre as áreas de conflito. Futuramente, o projeto poderá subsidiar políticas públicas e auxiliar a ação de entidades do terceiro setor. A iniciativa será desenvolvida em parceria entre os departamentos de Sociologia e Antropologia da Fafich e o de Geografia, do IGC.

Muito além das hidreléticas
Considerado a “caixa d’água do Brasil”, o Estado não se caracteriza apenas por problemas de comunidades afetadas pela construção de hidrelétricas - uma das principais frentes de trabalho do Gesta. Minas Gerais concentra conflitos de natureza variada – industriais, rurais e urbanos –, identificados, separadamente, nas outras regiões do País. Além de complicações com barragens, há, em território mineiro, imbróglios de agronegócio no Triângulo Mineiro, excesso de monoculturas ou ausência de licenciamento ambiental, como na mina de Capão Xavier, na Região Metropolitana de BH.

O mapeamento proposto pelos pesquisadores da UFMG buscará identificar, entre outras situações, áreas de conflitos por mineração, disposição licenciada e não-licenciada de resíduos industriais, poluição atmosférica e de corpo hídrico, lançamento de esgoto em bacias hidrográficas, deslocamento compulsório de assentamento humano e loteamento irregular. “Depois de concluído, o diagnóstico pode ser utilizado por pesquisadores, movimentos ambientais ou subsidiar políticas públicas”, explica Andréa Zhouri.

Para “chegar” aos confrontos do Estado, o grupo de pesquisa lança-se simultaneamente, a partir de janeiro, em duas frentes de trabalho. Uma delas diz respeito ao levantamento dos chamados “conflitos formais”, que podem ser apurados junto a entidades públicas como o Ministério Público, as secretarias municipal e estadual de Meio Ambiente e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Ao mesmo tempo, os pesquisadores buscarão informações em fontes não-oficiais, como fóruns mineiros e movimentos sociais.

Além de problemas em áreas rurais, caracterizados, principalmente, pela instalação de barragens e monoculturas, que desterritorializam grupos sociais, há uma série de confrontos urbanos. Os principais dizem respeito à geração de lixo. Diariamente, comunidades inteiras são expostas ao risco de dejetos e de poluição industrial. Favelas e córregos são afetados diretamente. “Investigamos, justamente, alguns destes impactos do desenvolvimento. Quais são eles? A quem se destinam? Quem arca com os custos socioambientais?”, questiona a professora.

Para ela, os conflitos territoriais indicam questões ainda mais complexas, de natureza cultural. “Os segmentos sociais afetados pelo desenvolvimento representam culturas. Trata-se das mesmas populações negras, indígenas ou ribeirinhas eternizadas pelo escritor Guimarães Rosa na descrição das veredas de Minas Gerais”, comenta Andréa Zhouri. Esses conflitos acabam levando os indivíduos a perderem suas formas simbólicas – particularíssimas – de interagir com o meio.

O mapeamento das áreas de conflito também permitirão que sejam contestadas idéias do senso comum, como a de que o homem, universalmente, destrói a natureza. “Isso não é verdade. Percebemos que há grupos específicos responsáveis pelos problemas ambientais. A destruição não é homogênea”, comenta a pesquisadora.

 

Projeto: Mapa dos conflitos ambientais do Estado de Minas Gerais
Financiamento: Fapemig
Coordenadora: professora Andréa Luisa Moukhaiber Zhouri (Fafich/UFMG)
Equipe: professores Klemens Laschefski e Ana Clara Mourão, ambos do IGC