Não é a economia, estúpido

Tese do Cedeplar premiada pela Capes mostra que
razões econômicas não são suficientes para justificar movimentos migratórios

Manoella Oliveira

ames Carville, uma das estrelas do marketing político norte- americano, cunhou uma frase famosa para explicar a vitória de Bill Clinton sobre George Bush (pai) nas eleições presidenciais de 1992. “É a economia, estúpido”. Desde então, a sentença passou a ser usada – inclusive no Brasil – para justificar vitórias e derrotas eleitorais e tendências sociais de toda natureza.

Foca Lisboa

Dimitri Fazito: motivações pessoais também influenciam movimentos migratórios

A frase virou jargão, mas será que a economia explica tudo? No caso das motivações que levam à formação de fluxos migratórios, a conjuntura econômica é insuficiente para compreender o fenômeno em toda a sua plenitude. É o que defende o demógrafo Dimitri Fazito de Almeida Rezende, autor de uma premiada tese de doutorado, que discute o conceito de migração e propõe uma nova forma de analisá-lo.

A partir de análise histórica sobre o processo migratório, o pesquisador verificou que a migração respaldada na ascensão econômica é relativamente recente, datando de cerca de 300 anos. “O migrante, de forma consciente ou não, produz um discurso para justificar seu deslocamento. Se o indivíduo diz que vai para o exterior em busca de sucesso financeiro, a sociedade legitima essa justificativa porque priorizar fatores econômicos é uma atitude racional, que condiz com o discurso dominante do capitalismo”, afirma Fazito. Mas estatísticas indicam que o argumento não justifica as razões da mudança de país. “Quando pesquisamos o assunto, percebemos que o discurso é multifacetado. Muitas vezes existe o horizonte econômico, mas o ponto fundamental não é este”, diz.

Durante o movimento de descoberta do “novo mundo” empreendido pelos europeus, os fluxos migratórios eram mais intensos em comparação aos contemporâneos. E durante a maior parte da história, as migrações não diziam respeito a fatores econômicos. Os motivos eram religiosos, políticos, familiares ou culturais, como acontece com as populações indígenas que têm mecanismos de autocontrole dentro da própria população.

A prevalência do discurso econômico como justificativa para as migrações começou depois da Revolução Industrial, quando a mobilização das pessoas passou a ser pautada pela ótica dos mercados de trabalho e de consumo. “O migrante também parte por motivos pessoais, emocionais, só que ele não admite. Por isso, ele usa esse discurso econômico”, resume o autor.

Valadares versus Ipatinga
Fazito cita o caso do fluxo migratório de Governador Valadares – um dos estudos de caso que utilizou para desenvolver a tese – para demonstrar as lacunas na teoria da migração. Ele argumenta que o fluxo de Valadares para os Estados Unidos equipara-se ao de Ipatinga. No entanto, a realidade econômica dos dois municípios é diferente.

“É problemático que os demógrafos e cientistas sociais só consigam entender a migração de massa como resultado de decisões individuais, por questões econômicas. As dificuldades econômicas vividas em Valadares são maiores do que em Ipatinga, um pólo industrial. No entanto, a quantidade de migrantes é praticamente a mesma. Como reduzir a migração a um problema salarial?”, questiona.

Para Fazito, o esquema origem-destino é insuficiente para entender os fatores que levam grupos populacionais a buscarem uma nova vida fora de seu local de origem. Ele defende a idéia de que é preciso investigar os elos que se colocam entre as duas pontas do processo. As condições que provocam fluxos migratórios não são ditadas apenas pela realidade individual do migrante, mas pelo ambiente coletivo em que está inserido.

Análises de rede
Por isso, o pesquisador optou por aplicar a teoria das análises de rede no estudo da migração. “As relações sociais devem ser levadas em conta, já que esse capital social favorece a criação de uma estrutura econômica após a viagem”, explica ele, lembrando que outros fatores intermediários – desde os falsificadores de documento, em caso de migrações ilegais, até os despachantes que tiram o passaporte – são partes de um processo que não pode ser ignorado.

“Os pesquisadores se limitam a contabilizar o fluxo de migrantes na origem-destino, justificando-o com base em questões macroeconômicas. É preciso trabalhar com os mecanismos intermediários”, defende o demógrafo.

Analisar esse processo em toda a sua complexidade também auxilia a compreensão do fenômeno migratório. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) calcula em 5,6 bilhões de dólares por ano as remessas enviadas por migrantes ao Brasil, o equivalente à receita com as exportações brasileiras de soja e a 1% do PIB. Mas é sabido que o valor é maior, visto que o Banco Central não registra todo o volume transferido. “Os migrantes preferem mandar o dinheiro por meios não reconhecidos pelo Estado para não serem taxados. É algo a ser considerado, já que o Brasil é o segundo país da América Latina em remessas de migrantes, perdendo apenas para o México”, pondera Dimitri Fazito.

 

premiada tese de doutorado - Em solenidade realizada em novembro, em Brasília, Dimitri Fazito recebeu prêmio por ter desenvolvido a melhor tese de doutorado na área de Planejamento Urbano e Demografia. A premiação foi concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que selecionou as 38 melhores teses de 19 programas de pós-graduação do país. Ele recebeu diploma e medalha das mãos do filósofo Renato Janine Ribeiro, diretor de avaliação da Capes, e foi contemplado com bolsa de pós-graduação por um ano em qualquer instituição do país.

 

 

Tese: Reflexões sobre os sistemas de migração internacional: proposta para uma análise estrutural dos mecanismos intermediários
Autor: Dimitri Fazito de Almeida Rezende
Orientador: Eduardo Luiz Gonçalves Rios Neto
Defesa: março de 2005, na Faculdade de Ciências Econômicas, junto ao Programa de Pós-Graduação em Demografia do Cedeplar