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Nº 1634 - Ano 35
17.11.2008

Poluição invisível

Substâncias presentes nos rios, quando tratadas por meio de processos oxidativos, podem gerar produtos de impacto desconhecido

Léo Rodrigues

Imagine a quantidade de medicamentos consumida diariamente em todo o mundo. Agora pense que parte das substâncias presentes nesses medicamentos não é absorvida pelo organismo humano, sendo eliminada no esgoto, principalmente por meio da urina e das fezes. Uma vez no esgoto, tais substâncias alcançam os rios. O que fazer para tornar a água novamente própria para o consumo? Alguns estudos propõem a utilização de processos oxidativos avançados (POAs), aplicados em algumas estações de tratamento de efluentes na União Européia, Estados Unidos e Canadá.

A pesquisadora Ilza Dalmázio, porém, chama a atenção para a possibilidade de que tais processos levem à formação de outras substâncias, que podem ser nocivas ao meio ambiente e à saúde. Essa conclusão é parte de sua tese de doutorado, aprovada pelo Programa de Pós-Graduação em Química e vencedora do Grande Prêmio de Teses 2007 da UFMG na área de Ciências Exatas e da Terra. O trabalho foi orientado pelo professor Rodinei Augusti, do Departamento de Química do ICEx.
Uma das dificuldades que os pesquisadores enfrentam para monitorar os resultados desses processos oxidativos é o fato de as reações ocorrerem em meio aquoso.

Em 1988, porém, o químico norte-americano John Fenn publicou artigo descrevendo os princípios básicos e a aplicação de uma nova técnica instrumental de análise química, a Espectrometria de Massas com Ionização Electrospray (ESI/MS – Electrospray Ionization Mass Spectrometry). A técnica trouxe a possibilidade de monitoramento de algumas reações em meio aquoso. Os trabalhos de John Fenn valeram-lhe o Nobel de Química em 2002, dividido com outros três cientistas. Em seus estudos, Ilza Dalmázio utiliza o método descrito pelo norte-americano para ampliar o conhecimento relativo a alguns processos oxidativos avançados de interesse ambiental.

Muitas perguntas, algumas respostas

Que novas substâncias podem ser formadas durante os processos oxidativos avançados? O uso desses processos no tratamento de água contendo fármacos poderia gerar novos impactos ambientais? Para Ilza Dalmázio, o monitoramento de tais reações pela ESI-MS permite apenas começar a obter algumas respostas para essas questões.
Professora do Departamento de Engenharia e Ciências Exatas da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a pesquisadora submeteu dois fármacos, a cafeína e a tetraciclina, a processos oxidativos avançados. O primeiro é uma substância presente em diversos medicamentos e alimentos e o segundo, um antibiótico. Estudos anteriores apontaram que os dois fármacos podem ser encontrados em águas superficiais (rios e esgotos) e até em águas subterrâneas e de torneira.

Os resultados dos experimentos de Ilza revelaram que, em ambos os casos, novas substâncias foram observadas como produtos da decomposição. “O estudo identificou substâncias não relatadas até então. A toxicidade delas é uma incógnita. Os resultados indicam que se deve ter atenção com os produtos resultantes da aplicação desses processos”, explica Ilza Dalmázio. No caso da tetraciclina, o produto formado tem estrutura molecular similar ao próprio fármaco e, por isso, sua toxicidade pode ter sido mantida ou mesmo aumentada. Mas essa possibilidade, adverte a pesquisadora, somente poderá ser comprovada por meio de estudos para verificar a toxidez dos novos compostos.

Chuva amazônica

O estudo de Ilza Dalmázio é composto, ainda, por outras duas partes, nas quais utiliza a ESI-MS para auxiliar a busca por informações sobre outros sistemas de interesse ambiental. Atendendo a uma proposição do grupo de pesquisa coordenado pelo professor Rochel Montero Lago, ela utilizou a ESI-MS para monitorar reações de degradação usando dois sistemas: o Fenton Heterogêneo (baseado em magnetita) e o Iodeto/Peróxido de Hidrogênio. Os produtos dessas reações comprovaram que tais sistemas comportam-se como processos oxidativos avançados. “Por isso, poderiam, no futuro, ser usados como novos POAs”, informa a pesquisadora.
Uma terceira parte do estudo de Ilza Dalmázio remete aos resultados do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia (LBA), projeto que reúne vários cientistas do mundo. O LBA encontrou na atmosfera compostos polares conhecidos como tetróis,
substâncias às quais se atribuía papel fundamental na formação de nuvens e chuvas na Floresta Amazônica.

A pesquisadora inglesa Magda Claeys e seus colaboradores sugeriram que os tetróis eram formados a partir do isopreno, substância liberada naturalmente pelas plantas. O trabalho de Ilza Dalmázio, realizado em parceria com pesquisadores da Unicamp, consistiu em verificar se o isopreno, quando oxidado na atmosfera, é capaz de gerar os tetróis. O isopreno foi submetido a um processo oxidativo avançado e monitorado pela ESI-MS. Durante a reação, foi possível observar a formação dos tetróis, gerando evidências que podem ajudar a comprovar a hipótese da pesquisadora inglesa.

Tese: Aplicação da espectrometria de massas com ionização electrospray no monitoramento de processos oxidativos avançados de interesse ambiental: degradação de fármacos, avaliação de sistemas oxidativos e oxidação do isopreno
Autora: Ilza Dalmázio
Orientador: professor Rodinei Augusti
Programa: Pós-Graduação em Química do Icex
Defesa: 30 de agosto de 2007