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Nº 1647 - Ano 35
6.4.2009

opiniao

Sobre a necessidade de dar nome,
precisar e combater violências

Claudia Mayorga* e Silvia Silva**

Nas últimas semanas, a UFMG foi tomada por um acontecimento que passou a fazer parte das conversas cotidianas de professores, técnico-administrativos e alunos: o caso do estudante agredido por outro na Moradia Universitária e que denunciou tal fato como ato homofóbico. Presenciou-se uma forte mobilização dos estudantes universitários em defesa da diversidade sexual juntamente com movimentos sociais e representantes de políticas públicas em prol dos direitos humanos externos à Universidade. Entre tantas outras questões que tomam a Universidade, não foi raro escutar comentários sobre o acontecido. O ponto de controvérsia presente nos debates era se o ato contra o estudante de Belas-Artes da UFMG teria sido homofóbico e em que consiste o conceito de homofobia. Ao mesmo tempo, a partir do próprio debate instaurado, situações homofóbicas vivenciadas no espaço da Universidade foram explicitadas. O que parece um ponto de partida interessante para a reflexão que propomos aqui.

Alguns estudos têm buscado entender a homofobia e sua função na organização social. Compreende-se que a homofobia – que se manifesta como intolerância, ódio e desprezo às homossexualidades – é um tipo de violência que pode ser precisada e consequentemente combatida. É uma violência que tem nome, perpassa as relações sociais e institucionais. Não se trata, portanto, aqui de refletir somente sobre o caso recente de forma particularizada, mas também de problematizar sobre o tipo de arranjo social que permite que situações como essa aconteçam.

Em 1963, a teórica feminista norte--americana Betty Friedan afirmou que as mulheres sofriam de um mal: “o problema que não tem nome”. Diante de algumas importantes conquistas femininas, como o sufrágio e as reformas derivadas dele, a autora perguntava-se por que a exclusão e a subalternidade das mulheres persistiam. Sua preocupação era entender as razões que faziam com que as mulheres continuassem excluídas da esfera pública, relegadas a cumprir sua natureza no campo da vida privada, e por que violências continuavam sendo percebidas e compreendidas como algo natural ou sem estranhamento. O propósito da teoria, pesquisa e prática feministas consistiu em dar nome a esse problema até então sem nome.

Assim, consideramos que o debate instaurado na Universidade a partir do ocorrido na Moradia coloca-nos diante da necessidade de compreender, de forma sistemática, as formas de preconceito, as especificidades da homofobia e como as relações sociais naturalizam as desigualdades sociais.

Sexismo, violência de gênero, violência sexual, patriarcado, política sexual foram alguns conceitos e noções que orientaram as análises e que possibilitaram precisar, descrever e, consequentemente, criar estratégias públicas de enfrentamento a exclusões e explorações das mulheres e criminalização das violências. Possibilitaram-nos compreender também que homens e mulheres perpetuam violências e que não se tratava naquele momento de falar de pessoas sexistas, mas de práticas sexistas – individuais, institucionais, sociais.

Nesse sentido, consideramos que tanto a homofobia quanto diversas outras formas de preconceito e discriminação precisam ser melhor compreendidas e nomeadas publicamente e, consequentemente, enfrentadas. Reconhecemos que dinâmicas semelhantes acontecem com outras formas de preconceito como o sexismo e o racismo. Nas práticas cotidianas e nas instituições, dinâmicas de invisibilização e culpabilização de mulheres, negros/as e homossexuais são recorrentes, pois terminam por afirmar e confirmar lugares de inferioridade e subalternidade de grupos sociais; silêncios e invisibilidades que perpetuam as violências sofridas. Assim, consideramos que o debate instaurado na Universidade a partir do ocorrido na Moradia coloca-nos diante da necessidade de compreender, de forma sistemática, as formas de preconceito, as especificidades da homofobia e como as relações sociais naturalizam as desigualdades sociais. A partir daí, poderemos construir posicionamentos que nos ajudem a compreender os fundamentos das violências homofóbicas, e destacamos aqui a necessidade de enfatizarmos o debate acerca da relevância social de nossas produções acadêmicas.

Se, por um lado, a universidade pública é a expressão do modo de funcionamento da sociedade brasileira como um todo, ela deve ser, sobretudo, um espaço de análise crítica dessa mesma sociedade. Nesse sentido, uma postura reflexiva parece fundamental e deve se dar, a nosso ver, a partir de um diálogo constante com grupos sociais diversos. É a partir desse movimento que práticas cotidianas de violência poderão deixar de ser algo natural e corriqueiro, passando a interpelar todos nós.

*Professora do Departamento de Psicologia da Fafich e coordenadora-geral do Programa Conexões de Saberes na UFMG
** Coordenadora do eixo Escola Aberta do Programa Conexões de Saberes na UFMG

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