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Nº 1649 - Ano 35
20.4.2009

No ‘olhômetro’

Dissertação revela deficiências na sistemática usada pelo IML para diagnosticar lesões em crianças

Luiza Lages

Foca Lisboa
João Batista
João Batista: centro de referência para unificar atendimento

Quase a totalidade dos exames físicos feitos no Instituto Médico Legal (IML) envolvendo crianças supostamente vítimas de agressão baseiam-se na ectoscopia, ou seja, no simples olhar do médico, sem o uso de exames complementares que ajudariam a delinear um diagnóstico mais preciso. Essa é uma das falhas do atual sistema de identificação de lesões corporais do IML de Belo Horizonte apontadas pelo médico João Batista Rodrigues Júnior em dissertação defendida no mês passado na Faculdade de Medicina.

Durante um ano – agosto de 2006 a julho de 2007 –, João Batista se debruçou sobre 212 casos de crianças de até 12 anos que seriam vítimas de maus-tratos físicos. Entre os casos positivos para lesão corporal (173), apenas um foi classificado como lesão corporal grave. Os demais acabaram enquadrados como lesões leves. “Como o exame é externo, no caso de uma criança que recebe um tapa no ouvido, o legista do IML pode não detectar que ela teve o tímpano rompido, por exemplo, e diagnosticar apenas um hematoma na orelha, uma lesão leve”, diz João Batista. “Quando é necessário um procedimento diferenciado, como uma radiografia ou um exame de fundo de olho, muitas vezes os pacientes não retornam ao IML, nem mesmo chegam a fazer o exame”, conta o pesquisador.

Para contornar o problema, o médico sugere a criação de um centro de referência multiprofissional para atendimento das crianças com suspeita de agressão. “É preferível unificar o atendimento e fazê-lo de imediato, por exemplo, no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, onde existem equipamentos e médicos de quase todas as especialidades”, argumenta. A ideia é criar um protocolo de atendimento relativo à violência infantil e preparar um relatório sobre as crianças diagnosticadas para ser oficializado posteriormente no IML. “Países da Europa e os Estados Unidos adotam como padrão a radiografia da criança de corpo inteiro, o que não ocorre por aqui. Em um grande centro como o João XXIII, isso poderia ser feito com avaliação imediata de um especialista”, defende o pesquisador, médico do IML há 12 anos.

Investigação

O Instituto Médico Legal de Belo Horizonte processa média de 35 diagnósticos de lesões corporais por dia, grande parte em crianças e adolescentes. Os laudos seguem para a Polícia Civil, que dá andamento à investigação. “É difícil qualificar o crime de maus-tratos. Ao contrário do que se imagina, o médico legista não trata da autoria do evento. Ele conclui apenas se existe ou não uma lesão, o que empobrece a investigação posterior”, afirma o médico.

O médico circunscreveu o estudo a perícias que preenchiam critérios de maus-tratos com abuso físico das crianças. “A definição de maus-tratos pelo viés da saúde tem quatro subtipos: abuso físico, abuso sexual, negligência e abuso psicológico. Todos são muito difíceis de identificar; o menos difícil é o abuso físico, que eu escolhi justamente para mostrar que nem essa modalidade é clara”, explica João Batista.

Dissertação: Avaliação crítica das perícias de lesões corporais em crianças no Instituto Médico Legal de Belo Horizonte – Minas Gerais – durante o período de um ano e da contribuição na investigação do crime de maus-tratos
Autor: João Batista Rodrigues Júnior
Orientador: Alexandre Rodrigues Ferreira
Defesa: 24 de março, na Faculdade de Medicina da UFMG


O perigo mora em casa

A pesquisa de João Batista Rodrigues Júnior constatou que, em mais da metade das perícias, 124 casos, o agressor apontado é o pai ou o padrasto da criança, seguido pela mãe ou a madrasta, com 64 indicações. Resumo da ópera: 88% das agressões a crianças são cometidas dentro de casa.

Uma lesão é caracterizada como maus-tratos quando atribuída a agressor com relação de ascendência sobre a vítima. “O agressor é, por exemplo, o professor que machuca um aluno, não o aluno que agride o colega”, esclarece o pesquisador.

A maioria dos exames foi realizada nos dois primeiros dias úteis da semana. “Os acompanhantes, normalmente as mães das crianças, esperam o afastamento do pai para tomar qualquer providência. Nos fins de semana, ele está mais presente em casa”, conta João Batista.