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Nº 1656 - Ano 35
8.6.2009


De outro planeta

Itamar Rigueira Jr.

Ele está envolvido com projetos que vão da universalização do acesso à internet em banda larga até o desenvolvimento de protocolos para comunicação para missões espaciais. Um dos criadores do protocolo TCP/IP, vice-presidente e evangelista-chefe de internet do Google, Vinton G. Cerf conversou há poucos dias com professores e alunos do Departamento de Ciência da Computação do ICEx, no campus Pampulha. Antes da palestra, ele concedeu esta entrevista ao BOLETIM.

Que temas têm dominado suas conversas sobre a internet do futuro?

Nossa preocupação é levar mais internet a todos os lugares, com acesso em banda larga. Estou muito interessado também nos celulares. O Google quer que suas aplicações possam se adaptar aos mais diferentes equipamentos. Estou convencido de que há muitas aplicações potenciais no escritório e em casa, como os sistemas de entretenimento e segurança, redes de sensores para controle de temperatura, umidade e aparelhos como fornos, geladeiras e televisores. Todos eles estarão conectados à rede.

Algo parecido pode ser aplicado aos automóveis?

Sim, mecânicos poderão reunir dados através da rede para analisar o funcionamento dos carros e fazer manutenção mais eficaz. O motorista poderá ser alertado instantaneamente para possíveis problemas com seu carro. Existe um mar de informações, parte dela é muito importante para uns e parte para outros. Temos que fazer o melhor uso possível da informação. É isso que vai tornar a vida mais fácil e eficiente.

Que cuidados é preciso ter quanto à enorme capacidade de armazenamento de informação na internet?

Se tudo o que você põe na rede nunca desaparece, pode haver dados pessoais que mais tarde deseje não ter colocado. Por outro lado, devo admitir que, quando não consigo achar algo no meu computador, gosto de saber que está em algum lugar na rede, e recorro ao Google para encontrá-lo para mim. Outro aspecto importante é que grande parte da informação está em arquivos muito complexos. Esses dados não significam nada se não dispomos do programa adequado. Imagine que daqui a cem ou mil anos o sistema de internet, ou seja qual for, continue acumulando informação. Parte dela será útil apenas se o software estiver disponível para que se interpretem os arquivos. Isso é um problema porque as empresas que criam os programas não deverão mantê-los para sempre.

E a questão da privacidade?

Há informação que deve ser mantida confidencial na rede, e temos que assegurar isso. Outra questão envolve a informação pública, como os registros de uma ação judicial, que nos Estados Unidos são públicos. No passado, era preciso ir ao tribunal para consultá-los. Hoje tudo está on-line, disponível e indexado. Mais pessoas têm acesso, o que é ótimo. O problema é que um caso judicial inclui dados relativos à identificação pessoal (endereços, telefones etc.), que em papel não ofereciam tanto risco, mas disponíveis na rede representam perigo para as partes envolvidas. A questão da privacidade deve ser examinada com cuidado. À medida que as coisas se tornam mais acessíveis, a definição sobre o que deve ser público pode mudar.

O uso da internet teve grande influência na eleição de Barack Obama. O que isso significa?

Participei intensamente desse processo, queríamos que as pessoas estivessem bem-informadas sobre a ciência aplicada à economia e a nosso bem-estar. A rede foi usada para levantamento de fundos e busca de votos. Está muito claro que a campanha de Obama fez o melhor uso dos serviços de internet na História. Daí veio um efeito inesperado e interessante: as pessoas que se organizaram pela rede para eleger Obama querem permanecer engajadas. Logo, o presidente tem o desafio de encontrar meios para que esses cidadãos sejam úteis para sua administração. As eleições de 2008 consolidaram a internet como ferramenta poderosa na política, assim como os debates entre Kennedy e Nixon consolidaram o papel da televisão nos anos 1960.

O que tem sido feito para aperfeiçoar interfaces?

O Google pretende que as interfaces funcionem bem para pessoas com limitações visuais, auditivas e motoras. Mas ainda temos muito trabalho a fazer. E vamos desenvolver aplicações também para interação dos novos equipamentos que chegam ao ambiente da internet.

Em que estágio está o projeto da internet interplanetária?

Trabalho com o Departamento de Defesa americano há 10 anos, e estamos alcançando um marco importante nos testes com protocolos interplanetários. Até o fim do ano teremos feito o que chamamos de qualificação espacial desses protocolos. Se formos bem-sucedidos, a Nasa poderá usá-los em suas missões a partir de 2013. Esperamos também convencer o órgão que padroniza comunicações espaciais a adotar esse novo conjunto de protocolos. Assim, a cada vez que se lançar uma nova missão, as informações das missões anteriores estarão disponíveis para apoiá-la.

No contexto da busca, a palavra parece ter hoje maior capacidade de indexação que a frase. Precisamos reaprender a escrever para ter resultados mais rápidos?

Não chega a tanto, mas já foi demonstrado que a escolha das palavras pode ter grande impacto na busca de referências relevantes (websites) ou na seleção de anúncios. Num nível mais profundo, se pudermos codificar o significado das palavras seremos capazes de achar material relevante que contenha palavras com o “mesmo” sentido. Os mecanismos de busca precisarão da indexação semântica.

Quais são a motivação e a lógica da atualização do protocolo para a internet?

Está se esgotando a capacidade do IPv4 (versão atual de protocolo de internet) de abrigar endereços (são 4,3 bilhões, no máximo). O objetivo é colocar em prática o IPv6, que vai ampliar exponencialmente essa capacidade. Se falharmos, a internet para de crescer ou fica obrigada a usar serviços de tradução de endereços, que são vulneráveis.