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Nº 1662 - Ano 35
10.8.2009

Livre, mas nem tanto

Pesquisa investiga funcionamento da Wikipédia com base em investigação de seus bastidores

Priscila Brito



Quem abre em seu navegador a página da Wikipédia se depara, automaticamente, com o slogan do projeto: “A enciclopédia livre”. Diante disso, o internauta deve pensar que todo o conteúdo do site é criado e modificado à revelia. Grande engano. Por trás de cada verbete, há uma série de regras a serem cumpridas, argumentações e até brigas travadas pelos colaboradores do site. É o que a revela a tese de doutorado em Comunicação Social da pesquisadora Telma Johnson.

Interessada em descobrir os fatores que garantem o desenvolvimento e a manutenção do projeto, bem como as interações necessárias para que isso ocorra, Telma acompanhou o processo de criação dos artigos pela internet e entrevistou participantes brasileiros e portugueses do site.

Uma das constatações da tese é que a Wikipédia não é uma terra de ninguém. Há uma série de princípios e normas que orientam a produção dos artigos e que precisam ser respeitados para que o conteúdo seja aprovado e o usuário permaneça como um colaborador. Telma explica que essa forma de organização foi uma condição imposta pelo próprio crescimento do projeto, cuja versão em língua portuguesa tem hoje quase meio milhão de participantes. “À medida que o número de usuários foi aumentando, veio a necessidade de se criar regras, justamente para manter o projeto.”

Em razão dessa configuração, Telma diz que a Wikipedia pode ser considerada uma instituição. “Se você não se comportar de acordo com as expectativas do projeto e dos outros, você será excluído. É uma rede complexa, exatamente porque quem está lá somos nós, e nela reproduzimos os modelos de organização social do mundo real.”

Conflitos e altruísmo

O projeto tem uma hierarquia expressa em cargos com mandatos de um ano e direito à reeleição. Seus ocupantes são escolhidos por votação. São quatro os níveis da hierarquia: editores (colaboradores comuns), administradores (editores com autoridade para eliminar ou bloquear páginas e outros editores), burocratas (com poder para atribuir aos usuários o título de administrador) e checkusers (que verificam os endereços de IP dos usuários quando há suspeita de ações que perturbam o funcionamento da Wikipédia).

Por meio de depoimentos de wikipedistas, Telma descobriu que essa hierarquia é responsável por uma série de conflitos entre os usuários. Há, por exemplo, uma rixa entre os editores com mais tempo de Wikipédia e os mais novos. Enquanto os novatos reclamam da impaciência dos veteranos e dos constantes bloqueios sofridos pelos seus artigos, os antigos reclamam dos erros frequentes dos mais novos no que diz respeito ao cumprimento das regras para edição de conteúdo.

Telma Johnson lembra, no entanto, que as desavenças não são suficientes para embotar o grande objetivo dos envolvidos no projeto: a vontade de compartilhar o que se sabe e contribuir com a democratização da informação. “É um sentimento altruístico. Foi surpreendente descobrir que é isso que faz tantas pessoas de lugares diferentes, que não se conhecem, compartilharem conhecimento gratuitamente”, avalia.

O compromisso com a enciclopédia virtual força os usuários a se preocuparem com uma das principais críticas dirigidas a ela: a confiabilidade do conteúdo. “Os editores têm noção de que a Wikipédia é muito discriminada. Para eles, é um desafio melhorar a qualidade dos artigos”, afirma Telma.

Mesmo que a análise da credibilidade dos artigos não tenha sido o foco da pesquisa, Telma sugere uma explicação para a desconfiança que o site costuma provocar: “A cultura segundo a qual só os especialistas têm o dom da palavra está arraigada entre nós”. Essa mentalidade, segundo ela, gera um paradoxo que precisa ser superado. “Ao mesmo tempo em que defendemos a democratização da informação, somos resistentes em aceitá-la”, conclui.

Tese: Nos bastidores da Wikipédia lusófona: Percalços
e conquistas de um projeto de escrita coletiva online
Autora: Telma Sueli Pinto Johnson
Defesa: 29 de junho de 2009
Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social
da Fafich
Orientadora: Maria Beatriz Almeida Sathler Bretas