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Nº 1665 - Ano 35
31.8.2009

Política nas quatro linhas

Tese revela como os militares e figuras da esquerda se apropriaram do futebol

Priscila Brito

Um dos principais jogadores da Seleção Brasileira dá entrevista a um jornal e critica as atitudes do governo brasileiro, meses antes da Copa do Mundo. Anos depois, em amistoso organizado pelo governo mineiro, a torcida vaia o governador na abertura de uma partida. Imagens de um sonho maluco que mistura futebol e engajamento político? Na verdade, são episódios reais. O primeiro, a entrevista de Tostão ao jornal O Pasquim pouco antes da Copa de 1970; o segundo, o protesto da torcida no amistoso Atlético e Botafogo, em 1979, contra o governador de Minas, Francelino Pereira, desafeto declarado de Reinaldo.

Essas e outras interseções do futebol com a política no decorrer dos anos 60 e 70 foram analisadas pelo historiador Euclides Couto em sua tese de doutorado. Seu objetivo era compreender as representações assumidas pelo futebol no imaginário político brasileiro na ditadura militar. A conclusão, para além da constatação já conhecida de que o futebol serviu aos interesses dos militares, foi a de que o esporte também foi espaço para manifestações de descontentamento com o regime. “Ele realmente foi utilizado como componente ideológico pela ditadura, mas, por outro lado, também agregou partidários da esquerda que usaram o espaço de comunicação criado em torno dele para criticar o governo”, explica o historiador.

Um dos aspectos estudados por Couto foi o comportamento considerado contestador de alguns jogadores. Entre eles, Tostão, hoje colunista, que ficou marcado, segundo o historiador, como “um jogador intelectual, com consciência política”. Além de manifestar seu desconforto com a restrição à liberdade de expressão e mostrar-se favorável à ala progressista da Igreja, o jogador foi um dos poucos que se opuseram aos métodos do treinador Yustrich, conhecido por seu estilo disciplinador, alinhado aos militares.

Simbologia

Já Reinaldo é lembrado pelo historiador em razão da forma pela qual comemorava seus gols: braço erguido e punho cerrado, inspirado no gesto dos atletas norte-americanos Tommie Smith e John Carlos, nas Olimpíadas de 1968, que protestavam contra a segregação racial. Segundo Couto, “a maior parte das pessoas não entendia a simbologia daquele gesto”, mas ele afirma que o jogador não deixava por menos: “Ele reforçava isso na fala, se posicionando contra a ditadura e fazendo críticas à política brasileira”.

Na opinião do historiador, o jogador que teve a postura de enfrentamento mais marcante foi Afonsinho, do Botafogo. Isso se deveu à luta travada contra a Lei do Passe, que submetia o atleta aos interesses do clube, e ao próprio visual, marcado por barba e cabelo grandes, considerado subversivo à época. “Ele usava esse simbolismo do corpo para contestar os cartolas dos clubes, que eram parceiros dos militares”, analisa.

Quem também se destacou no embate entre ditadura e futebol foi o cartunista Henfil. Segundo o historiador, por meio de seu traço, o cartunista criticou a dura disciplina imposta aos jogadores e a apropriação da Seleção Brasileira pelos militares. Couto lembra que Henfil desenhava para o Jornal dos Sports, veículo alinhado à imprensa conservadora, o que torna seu trabalho ainda mais interessante. “Ele se infiltrou em um órgão da grande imprensa e, sem ser percebido pelos militares, conseguir fazer um trabalho crítico”.

Couto ressalta que o futebol, desde que se tornou popular no Brasil, atraiu interesses de governos de diferentes orientações. O esporte foi o carro-chefe da propaganda do governo Vargas, principalmente na Copa de 1938, e a conquista do título mundial, em 1958, foi usada por JK para fazer associações com o espírito desenvolvimentista de suas políticas.

Tese: Jogo de extremos: futebol, cultura e política no Brasil
Autor: Euclides de Freitas Couto
Defesa: junho de 2009
Programa: Pós-Graduação em História – História e Culturas Políticas
Orientador: João Pinto Furtado