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Nº 1668 - Ano 35
21.9.2009

Psicologia para vencer o abuso

Projeto da Fafich ajuda crianças e adolescentes a superarem os traumas da violência sexual

Igor Lage

Em 2003, o Disque-Denúncia registrou, em todo o país, apenas 70 notificações de abuso sexual contra crianças e adolescentes. Desde então, esse número subiu em progressão geométrica, alcançando a marca de 32.500 casos em 2008 – um aumento superior a 46.000%. Esse dado evidencia que o combate ao abuso sexual infanto-juvenil vem se fortalecendo ao longo dos anos, deixando de ser um tabu envolto pelo silêncio das vítimas. Campanhas nos meios de comunicação e divulgação de pesquisas de instituições importantes como o Unicef encorajam a população a combater os casos de abuso sexual na infância.

O aumento das denúncias gerou também crescimento na procura por atendimento psiquiátrico, já que o abuso na infância pode provocar transtornos emocionais e dificuldades no convívio social, entre outras complicações. Foi nessa esteira que o Serviço de Psicologia Aplicada (SPA), ligado ao Departamento de Psicologia da UFMG, criou, há cinco anos, o Projeto Cavas. Segundo a coordenadora do projeto, professora Cassandra Pereira França, o SPA já não conseguia atender com a devida presteza a demanda específica de casos de abuso sexual infanto-juvenil. “Na maioria das vezes, eles são urgentes e delicados”, justifica a professora.

Há 11 anos na supervisão do estágio em clínica infantil da Psicologia, Cassandra estruturou o projeto para concentrar-se no estudo e atendimento clínico de “crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual” – daí a sigla, Cavas, que dá nome ao projeto. No começo, apenas dois estagiários faziam o atendimento. Acompanhando o crescimento da demanda, o Cavas conta com uma equipe de oito atendentes, sendo dois alunos da graduação e seis da pós-graduação. “Escolho os estagiários a dedo”, explica Cassandra. “Além de interesse em pesquisa, eles precisam demonstrar grande equilíbrio emocional para lidar com os casos que chegam”, justifica. A proposta do projeto é receber um novo estagiário por ano. Para se candidatarem, os alunos devem estar concluindo o curso e ter completado um ano de estágio em clínica infantil.

Os atendimentos às vítimas são realizados gratuitamente no SPA em três sessões semanais. Cada um dos estagiários cuida, aproximadamente, de cinco pacientes. Cassandra é responsável pela orientação docente. Ela afirma que, nos casos atendidos pelo Projeto Cavas, a maioria das vítimas são meninas e a maior parte dos violentadores são os próprios pais ou padrastos. O índice é superior a 80%, segundo estatísticas do Disque-Denúncia, gerenciado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Cassandra França alerta, porém, que a diferença entre abusados do sexos feminino e masculino talvez não seja tão abissal: “Alguns pesquisadores suspeitam que há um constrangimento maior por parte da família em revelar que a vítima do abuso sexual é um menino”.

Pesquisa e reconhecimento

Além de oferecer atenção clínica, o Projeto Cavas também desenvolve um trabalho de pesquisa baseado nos casos que recebe. Todos os membros participam semanalmente do grupo de estudos, além de produzirem textos acadêmicos para apresentação em congressos e seminários. Os estagiários mais experientes também são responsáveis por ajudar a professora Cassandra na orientação dos alunos recém-chegados, organizando grupos de supervisão. O resultados dessa pesquisa renderam ao Cavas um prêmio no III Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental, realizado no ano passado, em Niterói.

Em 2008, o projeto organizou ainda o 1º Simpósio de Pesquisa do Projeto Cavas, realizado na Fafich. “A procura foi maior do que esperávamos. Todas as vagas foram preenchidas”, lembra Cassandra. A coordenadora do projeto afirma ainda que uma segunda edição do evento já está nos planos do grupo para abrigar lançamento de livro que reunirá alguns resultados das pesquisas realizadas até então. A obra, cujo título provisório é Perversão: as engrenagens da violência sexual infanto-juvenil, conta também com a colaboração de pesquisadores de Belo Horizonte e São Paulo.

Combate interdisciplinar

Logomarca do projeto

Com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e da Pró-Reitoria de Extensão (Proex), o Projeto Cavas estabeleceu parceria com o Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil no Território Brasileiro (Pair) para oferecer um curso de aperfeiçoamento sobre a questão. Coordenado pela professora Cassandra França, o curso está sendo ministrado em cidades próximas à capital mineira e no Vale do Jequitinhonha, onde os índices de abuso sexual contra menores são elevados.

O curso conta com professores e outros profissionais das áreas de Psicologia, Comunicação, Antropologia, Filosofia, Direito, Ciências Políticas, Educação e Saúde. “É mais uma arma no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes”, afirma Cassandra.