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Nº 1669 - Ano 36
28.9.2009

O lazer nos tempos da aids

Pesquisa revela como a soropositividade empobrece as práticas
de entretenimento e diversão dos homossexuais,
causando o seu isolamento social

Bárbara Xavier França

Os primeiros casos de aids notificados no Brasil datam do início da década de 1980, e até hoje portadores do vírus HIV sofrem diversos tipos de preconceito. Prostitutas, usuários de drogas injetáveis e homossexuais eram enquadrados nos chamados “grupos de risco”, o que provocou profunda estigmatização, comprometendo até as atividades mais banais de suas vidas. A prática do lazer entre essas pessoas, mais especificamente homossexuais masculinos portadores do HIV, pode ser dividida em antes e depois da descoberta da soropositividade. É o que mostra a dissertação desenvolvida pelo pesquisador Ricardo Augusto de Jesus Sales, vinculado ao Programa Interdisciplinar de Mestrado em Lazer da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional.

O pesquisador define lazer como “uma dimensão da cultura, momento em que é possível vivenciar a liberdade e o prazer”. Se antes o tempo livre era marcado por diversão, idas a bares e festas sem hora para terminar, além de muitas viagens para cachoeiras, praias e até o exterior – caso de um dos indivíduos pesquisados que participou de paradas gays em Amsterdã –, hoje o lazer dessas pessoas é constituído de visitas a bares segmentados, participação em reuniões de grupos de apoio e atividades de cunho mais doméstico e reservado. No entanto, essa mudança não foi de todo proposital. Segundo Ricardo Sales, o olhar julgador da sociedade intimida e isola, levando a vontade de fazer o que todo mundo faz, sem preconceito, para o plano apenas desejado. É o “lazer idealizado”, bem diferente do “passado” e “vivido”, categorias criadas no estudo que possibilitaram constatar quão importante é a prática do lazer e como ele atua na construção de identidades.

Para chegar a essas conclusões, o pesquisador frequentou, durante 16 meses compreendidos entre 2007 e 2008, as reuniões de convivência do Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (Gapa-MG), um dos mais antigos e atuantes em Belo Horizonte. A partir da questão “Como têm acontecido as vivências e possibilidades de lazer dos homossexuais masculinos infectados pelo HIV, que participam de programas educativos em uma ONG de BH?”, Ricardo Sales trabalhou numa pesquisa qualitativa, investigando a história de vida de sete participantes. Com idades entre 23 e 55 anos, apenas dois trabalham com carteira assinada. Os outros dependem de ajuda financeira da família ou recebem benefícios do governo, como o auxílio-doença, pois já apresentaram doenças oportunistas, aquelas que aparecem devido à baixa resistência causada pelo HIV. Essas circunstâncias conduzem o olhar para outras consequências tanto da homossexualidade quanto da soropositividade. O distanciamento das pessoas próximas, as relações enfraquecidas com a família e a dificuldade em conseguir emprego são demonstrações do isolamento a que se submetem os soropositivos.

Para o pesquisador, o lazer é um dos principais mecanismos de socialização.“Ele permite a troca de experiências e a construção de identidades”, explica Ricardo Sales. Para se afirmar como ser social, a pessoa precisa se sentir pertencente a uma comunidade e com ela estabelecer laços. O que ocorre, no entanto, é a formação de guetos. Segundo o pesquisador, embora legitimem identidades, grupos específicos, de caráter mais fechado, não devem ser os únicos a regular a vida social. “O gueto para eles é falta de opção, pois não têm para onde ir, já que não conseguem frequentar outros espaços. Eles não conseguem sair do grupo de portadores, há uma redução da rede social e medo da estigmatização e do preconceito. Como homossexuais e soropositivos, eles são duplamente penalizados pela sociedade”, completa.

Dissertação: Homossexualidade masculina, lazer e HIV/aids: entre a revelação e o descobrimento das identidades
Autor: Ricardo Augusto de Jesus Sales
Defesa: 30 de julho, junto ao programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Lazer
Orientador: Walter Ude