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Nº 1699 - Ano 36
14.6.2010

“Pesquisa experimental é 95% frustração”

Fernanda Cristo

Fernanda Cristo
Zinkernagel: ciência e sorte

“Não somos inteligentes o bastante para fazer perguntas que levam a resultados interessantes.” Assim Rolf Zinkernagel, vencedor do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1996, explica por que é tão comum a ocorrência de descobertas acidentais em pesquisas científicas. Em sua passagem pela UFMG no mês de maio, ele aconselhou pesquisadores e estudantes a serem “flexíveis quando antigos dogmas são quebrados” e a “implorar pelas questões”. Nascido em 1944, na cidade de Riehen, na Suíça, Zinkernagel é professor emérito do Departamento de Patologia do Hospital Universitário de Zurique e recebeu o Prêmio Nobel em parceira com o australiano Peter C. Doherty, por descobrir como o sistema imunológico distingue as células infectadas das sadias. Em entrevista ao BOLETIM, ele fala sobre sorte, divulgação científica e explica que o sistema imunológico, ao contrário do que se pensa, não possui uma memória.

Em sua autobiografia, o senhor diz que, a partir de 1970, passou dois anos no Departamento de Bioquímica da Universidade de Lausanne aprendendo sobre imunologia, imunoquímica e convivendo com as frustrações do trabalho experimental em laboratório. Que frustrações foram essas e que lições tirou delas?

A frustração é o seguinte: se não conseguir resultados interessantes, vai achar que está perdendo seu tempo. Mas nessa área é muito comum que isso aconteça. Costumo dizer que a pesquisa experimental é 95% frustração e 5% glória. Essa foi a lição que eu aprendi.

O senhor afirma que ganhou um Prêmio Nobel a partir de resultados experimentais inesperados. Acredita em sorte?

im. Acho que é importante ter inteligência, um bom laboratório, bons conselhos, bons professores. Mas, além disso tudo, é preciso ter um pouco de sorte.

A ciência comemora, em 2010, 30 anos de erradicação da varíola. Se esse feito foi possível na década de 80, por que hoje, com tanta tecnologia e conhecimento disponíveis, não conseguimos eliminar outras doenças, como a gripe A e a tuberculose?

Teoricamente, não é impossível eliminar essas doenças, mas é muito difícil. A varíola era uma doença fácil de ser erradicada. Por quê? Primeiro, porque é uma infecção relativamente leve e, ao contrário da maioria das doenças, bastante fácil de ser diagnosticada. O fato de ela provocar lesões na pele facilita a identificação das pessoas infectadas. Outro ponto é que a varíola afeta apenas humanos e, por último, é que tínhamos uma vacina eficiente. Esses fatores contribuíram para que ela pudesse ser erradicada. Nenhum programa ou campanha de combate a uma doença reúne todas essas credenciais ao mesmo tempo.

Por que não é possível criar uma vacina contra o HIV?

O vírus HIV está em constante mutação, ele se transforma o tempo todo. Por causa disso, precisaríamos de uma vacina que fosse composta por milhares de vírus diferentes. Podemos até pensar em desenvolver uma vacina como essa, mas colocá-la em prática, neste momento, é impossível.

O senhor diz que informar o público leigo sobre tópicos científicos controversos depende de melhor cooperação entre cientistas e meios de comunicação. Como avalia o noticiário relativo à gripe A H1N1? Diria que houve exagero por parte dos veículos de comunicação?

Essa é uma pergunta muito difícil. Agora, após o evento, podemos até dizer que houve exagero. Mas se algo tivesse acontecido, todo mundo iria reclamar que ninguém fez o que era preciso para prevenir que algo acontecesse.

Como o senhor avalia o papel da mídia na divulgação de temas científicos?

Acho que a mídia deveria oferecer muito mais espaço para a ciência, para realmente explicá-la, ajudar as crianças a compreenderem o fazer científico. Caso contrário, elas podem desenvolver atitudes negativas em relação à atividade.

O senhor afirma que, ao contrário do que se pensa, o sistema imunológico não tem uma “memória”. Como ele funciona?

A maioria dos imunologistas pensa que, se reagiu uma vez contra um antígeno, o sistema imunológico se lembrará dele para sempre e, sempre que o antígeno voltar, vai apresentar uma resposta muito mais rápida. Essa ideia é usada para explicar o mecanismo de funcionamento de vacinas. Mas, na verdade, não estamos protegidos pela memória, mas porque mantemos um alto nível de anticorpos protetores ou neutralizadores no nosso organismo. Surge, então, uma nova questão: como essas elevadas taxas são mantidas? O que faz o nível de anticorpos continuar alto? Tenho vários exemplos e provas de que se o antígeno nunca mais for encontrado, as taxas caem. Nesse sentido, a memória não existe. Por isso, precisamos ser expostos contra o antígeno em intervalos de um, dois anos. É isso que vai criar mecanismos que manterão elevados os níveis de anticorpos. Novamente, não se trata de memória, mas simplesmente de exposição repetida.

Isso significa que nenhuma vacina funciona para sempre...

Não. No entanto, algumas vacinas persistem, pois nunca são completamente eliminadas pelo organismo. Mas esses casos ainda não foram examinados em profundidade.

O senhor acredita que, a partir desse paradigma, mudaria a maneira como as vacinas são produzidas?

Acredito que, do ponto de vista da saúde coletiva, seria importante continuar vacinando a população em intervalos regulares contra, por exemplo, todos os vírus que afetam as mucosas (do pulmão ou do sistema gastrointestinal, por exemplo). Quanto mais vivermos de forma limpa, mais isso vai se tornar importante.