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Nº 1725 - Ano 37
07.02.2011

opiniao

MANTER ou DESCARTAR, eis a questão

* Roberto Márcio de Andrade e ** Luis Antônio Borges

Os chamados bens duráveis têm vida útil cada vez mais curta. E esta redução vem sendo muito mais influenciada pela superação tecnológica do que pela indisponibilidade para uso. Nas residências é comum encontrar aparelhos de videocassete em perfeito estado de conservação, porém não operantes, devido ao desaparecimento das fitas VHS. Os saudosistas mantêm intactos discos de vinil, apesar de não ouvi-los mais com a mesma frequência. Até automóveis são adquiridos com o objetivo de descarte ou revenda no mercado de usados em poucos anos.

No plano industrial a realidade não é diferente. Historicamente, até a Segunda Guerra Mundial, praticava-se somente a Manutenção Corretiva. Desde então, até meados da década de 80, foi introduzida a Manutenção Preventiva, com revisões programadas, planejamento e controle do trabalho. A partir de meados da década de 80, foi introduzido o monitoramento da condição pela chamada Manutenção Preditiva. Atualmente, os chamados ativos físicos são adquiridos segundo uma estratégia que considera o mapeamento e o domínio, com eficiência técnica e econômica dos riscos de futuras falhas.

Um outro ambiente, certamente mais complexo, é o hospitalar. Nesse caso, a confiabilidade deve ser a máxima possível, ou seja, os equipamentos não podem falhar, mas às vezes falham.

Esses três exemplos, do cotidiano das pessoas até as organizações, mostram a nova realidade para a ainda chamada Engenharia de Manutenção e que está sendo redefinida como Gestão de Ativos. Dos gestores de ativos é exigida capacidade para, em primeiro lugar, manter o ativo operando dentro de suas condições nominais, no melhor padrão de performance, o tempo necessário para atender a solicitação do programa de vendas, levando-se em conta a melhor relação custo-benefício.

Em segundo lugar, esses profissionais trabalham para prolongar a vida do ativo com melhorias operacionais e tecnológicas, maximizando o capital empregado na sua aquisição, pela extensão da vida útil. Por último, modificar e/ou adaptar o ativo visando um melhor desempenho operacional, para atender o aumento de demanda dos produtos atuais. As modificações podem ir além, capacitando o ativo a atender novas demandas. As modificações podem eliminar a aquisição de novos ativos.

Para minimizar a geração de inservíveis, ou lixo, diversas medidas têm sido tomadas, desde a adoção voluntária da reutilização e da reciclagem até a criação de marcos regulatórios que definem regras para produção e comercialização de produtos. Responsabilizar os fabricantes e comerciantes pelos inservíveis é, sem dúvida, estratégia inteligente para redução do impacto ambiental, sem estrangular a economia. O desafio é o crescimento econômico sustentável com distribuição de renda e melhoria da qualidade de vida das pessoas, ou, segundo Henrique Rojas, “é um mundo em que cada pessoa perceba que o bem-estar dela é o bem-estar dos outros. Como nosso corpo, percebe-se a sociedade como um organismo inteiro, onde tudo está conectado. É levar a vida de forma que todos estejam bem hoje e amanhã”.

Para atuar dentro dessa nova realidade, as pessoas, que compõem a base das organizações, devem ser preparadas e incentivadas a trabalhar em equipe, e não em “euquipe”, como acontece em muitas áreas. Essa formação somente é possível quando a discussão em sala de aula é complementada com trabalhos de pesquisa e desenvolvimento, quando o aluno aprende a aplicar conceitos básicos na solução de problemas e obter resultados, ou seja, quando aprende a trabalhar com o método dos métodos, ou o método científico. Afinal de contas, vive-se hoje a era do conhecimento, quando a criatividade deve ser cada vez mais incentivada.

Outro fator importante, que deve estar presente nas grades escolares e nos temas das pesquisas, é a multidisciplinaridade. Nesse aspecto, o gestor de ativos deve se qualificar em três áreas: conhecimento técnico específico, conhecimento gerencial e liderança.

Para propiciar uma formação cientificamente direcionada e multidisciplinar, a universidade brasileira se preparou por mais de duas décadas. O corpo docente foi qualificado e profissionalizado, a pós-graduação ampliou-se e diversificou-se, os currículos sofreram mudanças nas cargas horárias e nos conteúdos, os programas de iniciação científica estão cada vez mais difundidos. Essa infraestrutura permitiu a formação de muitos professores e pesquisadores.

O desafio agora é qualificar o profissional que atua fora da academia e dos centros de pesquisa. Profissional que, no caso do gestor de ativos, necessita melhorar a capacidade de enfrentar desafios. Para tal, além da graduação e pós-graduação, os cursos de extensão universitária devem ser adaptados. Devem-se prever cursos com formatação e linguagem adequadas à realidade das pessoas, graduadas e não graduadas, sem prescindir dos fundamentos científicos, mas visando sua aplicação direta na solução de problemas e geração de resultados. Finalmente, este profissional poderá criar e implantar o plano de manutenção, uma maneira concreta de buscar a confiabilidade desejada dos ativos físicos.

Não se pode esquecer que o ativo físico mais importante é o próprio corpo humano. Por isso, trate de mantê-lo em condições adequadas. Não o descarte.

* Professor associado do Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG e coordenador do Centro de Estudos em Ciências da Engenharia de Manutenção

** Engenheiro mecânico

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