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Nº 1765 - Ano 38
5.3.2012

opiniao

CEGOS não vão ao TEATRO para usar o BANHEIRO

Júnie Fátima Borges Soares de Sá*

Dados fornecidos pelos ministérios do Desenvolvimento Social, da Saúde e da Educação evidenciam a existência de demanda considerável de pessoas cegas ou com baixa visão por acesso e usufruto dos espaços culturais e de lazer em Belo Horizonte. Nos locais públicos de entretenimento, é recorrente a existência de acessibilidade, elevadores e banheiros adaptados. Mas atenção: quando as pessoas cegas os frequentam, elas vão em busca de experiências sociais e culturais e não para usar elevadores e instalações sanitárias.

O conceito de acessibilidade como “igualdade de oportunidades para as pessoas com limitações” visa permitir a todos os cidadãos que usufruam, por meio de políticas não discriminatórias, daquilo que a sociedade oferece: eventos de desporto, lazer, de cultura e de turismo; emprego e educação; serviços sociais, justiça e saúde. Espaços ou edificações acessíveis devem respeitar a diversidade de seus usuários, deixando todos à vontade para utilizá-los com a maior naturalidade possível sem se sentirem marginalizados. Os ambientes devem ser seguros e funcionais, com distribuição espacial coerente e esteticamente arquitetados.

No Brasil, como constatei em minha pesquisa concluída em 2011, ainda são poucos os espaços culturais, aí inclusa a Universidade, que oferecem ferramentas que proporcionem igualdade de condições para que o visitante com deficiência visual possa acessar seus acervos do mesmo modo que um visitante sem deficiência consegue fazê-lo. O público cego é o que exige maior número de adaptações para frequentar exposições, museus e espaços culturais. Independentemente do teor das coleções e exposições, há o predomínio de imagens e de textos que, normalmente, são veiculados apenas visualmente.

A justificativa que se dá para a pouca oferta de eventos direcionados aos deficientes visuais reside no fato de que se trata de um público muito pequeno, insuficiente para a efetivação de uma demanda que alicerce investimentos dirigidos. Estabelece-se um círculo vicioso. Por pensarem que não há demanda de público interessado, as instituições não desenvolvem programações e mudanças ambientais para efetivar inclusão e acessibilidade; consequentemente, o público deficiente visual, sentindo-se excluído, não frequenta tais locais e não cria demanda que embasaria as adaptações.

Faltam também políticas públicas que incentivem e cobrem o cumprimento das leis para o desenvolvimento de programas de inclusão de cegos e de pessoas com baixa visão. Embora a legislação preveja medidas de impacto no que diz respeito às pessoas com necessidades especiais, na prática a implantação e o acompanhamento de tais decisões e estratégias nem sempre ocorrem, o que torna estritamente textual a sua realidade.

A Belotur, por exemplo, disponibiliza guias turísticos em braille com texto idêntico ao da versão impressa em tinta. Esses materiais são distribuídos gratuitamente nos postos de informações turísticas espalhados pela cidade. Existe, porém, um paradoxo entre o fornecimento dos guias e as reais condições dos espaços culturais e de lazer na capital. Munidas das versões em braille, as pessoas com deficiência visual se sentem motivadas a procurar os lugares descritos, mas não encontram neles ambientes com acessibilidade que corresponda às suas expectativas.

Faz-se necessário dotar os espaços de infraestrutura adequada: legendas em braille junto às obras expostas, computadores com sintetizador de voz, terminais digitais interativos com recursos de leitores de tela, réplicas (de arte e ciência) de peças que possam ser tocadas, planta da exposição e catálogos em braille e profissionais treinados para proporcionar visitas educativas e descritivas são caminhos para viabilizar a inclusão desse público em suas atividades.

Grandes museus do mundo vêm desenvolvendo práticas que possibilitam maior aproximação entre as pessoas cegas e as obras de arte. A maior parte oferece ao visitante etiquetas em braille, audioguias e audiodescrição. Outras possibilitam visitas guiadas e matrizes táteis, que são desenvolvidas a fim de que se possa, de fato, tocar e conhecer obras de arte. A galeria britânica Tate Modern, em Londres, é exemplo dessa prática. Dentre os ambientes visitados no Brasil, destaca-se positivamente a Biblioteca da Fafich, que atende a 80% dos quesitos listados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Já o novíssimo Sesc Palladium, no centro de Belo Horizonte, preenche apenas 23% dos itens de acessibilidade necessários.

Importantes mudanças na sociedade têm ocorrido ultimamente em relação às pessoas com algum tipo de deficiência. Uma combinação de fatores levou à criação de legislação específica, regulamentos e normas para tentar eliminar a discriminação existente contra os deficientes. Tais fatores incluem a conscientização de que a sociedade só tem a ganhar se o envolvimento e a independência dos deficientes forem efetivos. A implantação de leis, regulamentos e normas melhora o desenvolvimento das tecnologias assistivas e amplia a divulgação sobre o que está atualmente disponível, incrementando assim diálogo permanente entre a comunidade e os consumidores finais dessas tecnologias.

As pessoas e as instituições precisam se envolver na construção de novo caminho que levará, ainda que em longo prazo, a um resultado concreto de acessibilidade à saúde, à vida social, à prática profissional, ao lazer, aos bens culturais e ao conhecimento. Fica nosso convite para a que UFMG valorize esse desafio: o corpo é frágil e a vida é bela.

*Graduada em Comunicação Assistiva pela PUC Minas e especialista em Elaboração e Avaliação de Projetos Culturais pela UFMG