Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 5 - nº. 10- outubro de 2006

Editorial

Entrevista
Evando Mirra de Paula e Silva

Patentes
Do laboratório à linha de produção


Propriedade intelectual e inovação na UFMG
Rubén Dario Sinisterra Milan

Incubadoras
Chocando futuras empresas

Empreendedorismo
Pequenas que trabalham como gente grande

Saúde Pública
Na captura do Aedes aegypti

A lei de inovação e sua repercussão nas
instituições científicas e tecnológicas

Edson Paiva Rezende, José Lúcio de Paiva Júnior, Maria Romanina Velloso Martins Botelho, Nícia Pontes Gouveia e Vinícius Furst Silva

Aeronáutica
Inventores de vôos

Paramec
Tecnologia a serviço da inclusão

Inovação na biotecnologia
Erna Geessien Kroon


Acessibilidade
Bengala eletrônica

Sistemas nacionais de inovação e desenvolvimento
Eduardo da Motta e Albuquerque

Nanotecnologia
Viagem ao país dos “nanos”

Conhecimento e riqueza
Ana Maria Serrão, Lívia Furtado, Mari Takeda Barbosa, Rochel Monteiro Lago, Lin Chih Cheng e Solange Leonel

Solidariedade
Da pura técnica à tecnologia social


Tecnologia social: um conceito em construção
Carlos Roberto Horta

Expediente

Outras edições

 

brasão

 

Aeronáutica

Inventores de vôos

Há 40 anos, a equipe do professor Cláudio Pinto de Barros dedica-se à projeção e construção de aeronaves

Conceição Bicalho

Um fascínio acompanhou o engenheiro Cláudio Pinto de Barros desde criança: projetar e construir aviões. Desde o primeiro momento, como aluno do curso de Engenharia Mecânica na UFMG – o mesmo em que é professor há mais de quatro décadas –, Barros perseguiu o ideal dos inventores e, hoje, está a um passo de ver sua última criação – o modelo de ultraleve CB 10 Triathlon – cortar os ares, em decorrência de sua fabricação em série.
Barros é o criador do Centro de Estudos Aeronáuticos (CEA) do curso de Engenharia Mecânica da UFMG, responsável, no Estado, pela formação de engenheiros aeronáuticos, grande parte deles com destino profissional certo na Embraer (dos cerca de três mil engenheiros aeronáuticos da empresa, 190 – 6,2% – foram formados pela UFMG).

No início dos anos 1960, sem contar com a ajuda de professores especialistas, já que a UFMG não tinha capacitação nessa área, Barros começou a dar vida ao seu primeiro projeto, batizado CB 1 Gaivota. “Foi a primeira aeronave totalmente projetada em Minas Gerais”, garante ele, que viu, em 1964, já como docente da Escola de Engenharia, o planador levantar vôo e fazer acrobacias sobre o antigo aeroporto de Carlos Prates.

“Por aquele projeto, financiado por particulares e que pouca gente levou em consideração, passaram 48 alunos. O Gaivota deu força para a criação do CEA”, diz Barros, explicando que o avião foi feito todo em madeira, de maneira muito artesanal, mas por meio de técnicas não muito diferentes das utilizadas ainda hoje.

Os alunos da Mecânica participaram, ao longo dos últimos 40 anos, de muitos outros projetos de aeronaves assinados por Barros, alguns deles com histórico de prêmios conquistados em disputas nacionais. O planador CB2 Minuano, construído entre 1969 e 1975, foi campeão brasileiro em 1978, na sua categoria, disputando com dez aeronaves da Embraer e 16 outras, importadas. Ele é considerado, ainda hoje, a aeronave que demonstrou melhor desempenho aerodinâmico no País.

Melhor do mundo Barros, agora, está entusiasmado com sua última criação, o CB10 Triathlon, que vai ser comercializado por uma empresa criada especialmente para fabricá-lo.

O Triathlon é um ultraleve avançado, de dois lugares, cujo desenvolvimento começou a sair das pranchetas quando Barros decidiu fazer doutorado, entre 1997 e 2001. “Queria criar o melhor avião do mundo nessa categoria”, lembra o professor. Ele conseguiu essa proeza na categoria Very Light Airplane – sua aeronave alcança até 340 km/h.

Um ultraleve não pode ultrapassar 750 quilos na hora de decolar e a velocidade mínima, no momento do pouso, deve ser de 83 km/h. O Triathlon tem muitas vantagens, segundo Barros, e é por isso que chama a atenção de amantes da aviação e de fabricantes.

O Triathlon começa a ser fabricado em escala industrial neste segundo semestre de 2006 pela Advanced Composites Solutions (ACS), empresa criada em São José dos Campos (SP). Os empreendedores são os engenheiros Leandro Guimarães Maia, de 29 anos, Alexandre Zaramella, de 32, ambos formados na UFMG em 1999, e Renato Otto Diniz, de 34, que foi colega dos mineiros na Embraer.

Toda a fabricação da aeronave, rebatizada de ACS 100 Triathlon, será terceirizada pela empresa que, desde janeiro passado, faz parte da incubadora do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). “É uma vantagem muito grande estar na incubadora, porque estamos numa instituição conceituada e podemos mostrar nossa capacidade de desenvolvimento”, justifica Leandro. A montagem da aeronave deve ser realizada em parceria com uma escola de pilotagem que está sendo criada em São José dos Campos.

Além do Gaivota, do Minuano e do Triathlon, o CEA possui outras aeronaves. O monoplanador Vesper (1985) e o ultraleve Curumim (1992) foram fabricados na década de 1990 e conquistaram, em, respectivamente, 1990 e 1992, o primeiro lugar na Bienal Brasileira de Design. Em 1980, o CEA projetou e construiu o protótipo do planador Jegue, destruído numa enchente. O CEA 308, cujo projetista é o engenheiro e professor Paulo Iscold, ficou pronto em 2001. Agora, está em desenvolvimento o Curumim II, versão aprimorada do Curumim original.

Inovar para exportar O ACS 100 Triathlon é uma aeronave que combina características compatíveis com os mais modernos projetos existentes no mercado nacional e internacional, somando itens de grande alcance tecnológico produzidos na prancheta de Cláudio Barros. “Entre os fabricantes de ultraleves nacionais, vamos fazer o que ninguém faz”, afirma o engenheiro.

Entre as inovações introduzidas no ACS 100 Triathlon, estão a estrutura de materiais compostos – outras aeronaves fabricadas no Brasil usam madeira e chapas de metal – e o próprio motor, importado da Inglaterra, que pertence a uma geração que consome diesel em vez de gasolina.

A empresa pretende oferecer, ainda, itens opcionais – como pára-quedas balístico de recuperação, airbag, trem de pouso fixo ou retrátil, hélice com passo fixo ou variável – e opcionais de aviônica como painéis de LCD (cristal líquido), que substituem os conhecidos “relojinhos”. “Queremos inovar não só no produto, mas também na comercialização e no marketing”, avisa Leandro Guimarães.

Celeiro de engenheiros aeronáuticos

O Centro de Estudos Aeronáuticos (CEA), do curso de Engenharia Mecânica, foi criado, em 1965, como um espaço de estímulo ao debate e à prática na área. Oferecendo apoio às atividades de pesquisa, ao desenvolvimento de projetos de aeronaves e à fabricação de protótipos destas, o CEA cativou os alunos e fortaleceu-se.

Em 1975, lembra o professor Cláudio Barros, “achamos que já era hora de termos um curso de Engenharia Aeronáutica na UFMG, mas, depois de um ano, só conseguimos estabelecer uma Ênfase. Mesmo assim, já formamos mais de 250 profissionais que, em grande parte, estão trabalhando na Embraer”, diz Barros.

O CEA tornou-se, então, o principal apoiador das atividades de pesquisa e ensino dos alunos e professores da Ênfase em Aeronáutica, na Escola de Engenharia. Os alunos que cumprem todas as disciplinas dessa Ênfase recebem o título de engenheiros mecânicos aeronáuticos.

Segundo Barros, no início, não foi nada fácil manter em funcionamento essa vertente do curso. Sem professores no Estado, a UFMG teve de convidar docentes do Centro Tecnológico Aeronáutico (CTA), a que o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) está ligado, e da Embraer para lecionarem as disciplinas específicas. “Fizemos convênio com uma companhia aérea e trazíamos os professores de São Paulo todas as semanas, para as aulas”, lembra Bastos.

“Com o tempo, nós mesmos acabamos formando nossos profissionais e, hoje, temos um corpo de professores excelente”, assinala Barros, responsável pela maioria dos projetos de aeronaves desenvolvidos no CEA. “Os alunos participam de tudo. Aqui, eles têm o que nenhuma outra Escola oferece – a prática da fabricação”, afirma.

Filhotes O trabalho do Centro de Estudos Aeronáuticos (CEA) também possibilitou a formação de equipes vitoriosas em competições de aeromodelismo realizadas no Brasil e no exterior. O resultado mais expressivo foi alcançado no ano passado, quando a equipe da UFMG, batizada com o nome de Uai Sô Fly, venceu a SAE Aerodesign East, realizada em Marietta, nos Estados Unidos. Sob a coordenação do professor Carlos Alberto Cimini, a UFMG superou equipes de universidades da Europa e Américas.

No Brasil, as disputas da SAE - entidade norte-americana especializada na produção de padrões e conhecimentos sobre os setores automotivo e aeroespacial – são realizadas em São José dos Campos (SP), onde os aeromodelistas da UFMG são presença quase certa no pódium.

As competições da SAE estimulam equipes de estudantes a projetar e construir aeronaves em escala reduzida. Esses protótipos devem ser capazes de superar sucessivas baterias de testes demonstrando capacidade de vôo controlado, para cargas úteis sempre crescentes, até as condições-limite do projeto.