Revista Diversa

Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 5 - nº. 11 - Maio de 2007

Artigo

Um mestre que amava a Terra

Vitória Régia Péres da Rocha Oliveiros Marciano
Professora aposentada do Instituto de Geociências da UFMG (IGC/MG) e diretora do Museu de Mineralogia Professor Djalma Guimarães

Escrever sobre o professor Djalma Guimarães (1894-1973) não é tarefa fácil, pois, seguramente, será impossível cumpri-la com fidelidade plena e correspondente ao seu valor para a ciência, em especial a geologia. A história desse pesquisador e cientista se confunde com a das geociências no Brasil do século XX, fazendo-se oportuna esta homenagem, no ano do 80o aniversário da UFMG e no Ano Internacional do Planeta Terra.

Djalma Guimarães nasceu em Santa Luzia (MG), filho de Caetano da S. Guimarães e Evangelina T. Guimarães, neto do conselheiro João Caetano da Silva Guimarães, seu avô paterno, e do senador Manuel Teixeira da Costa seu avô materno. Casou-se com Rute Teixeira, com quem teve quatro filhos. Iniciou seus estudos em sua terra natal, transferindo-se, posteriormente, para o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Formou-se engenheiro de minas e civil no ano de 1919, na Escola de Minas em Ouro Preto, quando obteve como prêmio uma viagem à Europa. Entretanto, abriu mão dessa distinção para iniciar suas atividades como engenheiro civil, na Estrada de Ferro Teresópolis.

O saudoso Manoel Teixeira da Costa, professor do Departamento de Geologia do IGC/UFMG, primo de Djalma, ao escrever sobre a obra dele, iniciou da seguinte forma: “O relacionamento de Djalma Guimarães com as rochas ultrapassa, de muito, a corriqueira intimidade que a maioria dos naturalistas mantém com os elementos da natureza.” E, logo a seguir, se expressa, assim: “Seu laboratório, foi sempre, para ele, aquela Passárgada do poeta, à beira de cujo rio as rochas vinham lhe contar estórias.”

Como cientista ímpar, atuou em quase todas as áreas das geociências. Na mineralogia, realizou estudos dos pegmatitos da região de São João Del Rei (MG) e daqueles pertencentes à província de Roraima, analisando, especialmente, os nióbo-tantalatos, entre outros. Descreveu quatro novos minerais: eschwegeíta, arrojadita, pennaíta e geannettita, nome dados em homenagem aos ilustres geólogos e engenheiros Eschwege, Arrojado Lisboa, Santos Penna e Giannetti. Foi homenageado por Caio Pandiá Guimarães e Octávio Barbosa, que nomearam como djalmaíta um tantalato de urânio e cálcio. Estudou os diamantes e seus satélites, propondo, para os da região de Diamantina, um processo genético metamórfico. Em 2006, 33 anos após o seu falecimento, foi homenageado com a guimarãesita, uma nova espécie mineral. Descreveu dois meteoritos: Serra do Magé (PE), em 1927, juntamente com Luciano Jacques de Moraes, e, em 1958, o Patos de Minas, (MG), que foi recolhido no córrego do Areado.

A petrologia mostrou-se área de sua predileção. Sua principal ferramenta de trabalho era o microscópio de polarização, com o qual descrevia as seções delgadas das rochas e inter-relacionava as fases minerais numa petrografia minuciosa, com que subsidiava suas interpretações pretrogenéticas. Por meio dessa técnica, propôs a Teoria da Enstenização, que postulava a mudança de estrutura do piroxênio de monoclínica para ortorrômbica.

Em 1929, iniciou o estudo das rochas graníticas, coroando-o com uma nova concepção da gênese delas. O resumo dessas idéias foi publicado em 1938, na Alemanha, sob o título Das problem der Granitbildung. Essa publicação, por ter sido lançada ao mesmo tempo que as de H. G. Backlund, reabriu a polêmica sobre a gênese das rochas, o que o fez conhecido como um dos pais da Teoria da Granitização.

A geoquímica foi outro campo em que Djalma Guimarães se destacou, como pioneiro no Brasil. Na direção do Instituto de Tecnologia Industrial de Minas Gerais (ITI), criou um laboratório de análises espectroquímicas, que, sob o comando do químico Cláudio V. Dutra, foi projetado como órgão de referência para análises de amostras geológicas. Publicou trabalhos sobre metalogênese com base na geoquímica. O primeiro foi divulgado apenas no exterior, sob o título Mineral deposits of magmatic origin, cujo resumo foi publicado na revista Economic Geology. Sua teoria, de acordo com o conceito de província metalogenética, foi aceita e incluída na disciplina Geologia Econômica de vários cursos de geologia dos Estados Unidos.

Acervo Museu Djalma Guimarães
Professor Djalma Guimarães em conferência na Sociedade Mineira de Engenheiros (1934)
Professor Djalma Guimarães em conferência na Sociedade Mineira de Engenheiros (1934)

Vários outros temas da geologia foram abordados por Djalma Guimarães, mas os que lhe conferiram importância e projeção nacional e internacional foram as descobertas das jazidas de apatita (fosfato) e de pirocloro (nióbio) em Araxá (MG), que fizeram do Brasil o maior produtor de nióbio do mundo. Transcrevemos, aqui, as palavras do diretor geral da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), J. A. de Camargo, como apresentação ao volume Contribuições à Geologia e à Petrologia, dedicado à memória de Djalma Guimarães pelo Núcleo de Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Geologia (SBG), em 1985:

“Umas das mais significativas contribuições do professor Djalma Guimarães foi, como se sabe, o estudo da região do Barreiro, em Araxá, que resultou na descoberta das reservas de nióbio, por cujo aproveitamento é responsável a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). É natural, portanto, que sejamos estreitamente ligados ao nome e à obra do grande cientista mineiro. Exemplo disso é a fundação mantida pela CBMM, que leva o seu nome. Ela presta ajuda a importantes obras em Araxá, principalmente na área de formação profissional, à qual tem prestado uma atenção especial, tendo, para isso, construído o Conjunto Integrado Professor Djalma Guimarães, dedicado à aprendizagem industrial e ao serviço social. Dá também uma contribuição ao setor cultural, sobretudo por meio da edição de obras e do caráter científico e artístico”.

Em 2007, nos 80 anos da UFMG, deve-se salientar a importância da relação de Djalma Guimarães com o ensino da geologia em Minas Gerais e no pais. Atuou como professor em três universidades brasileiras e participou do Campanha Nacional de Cursos de Geologia (Cage), criada, pelo Ministério da Educação, para estabelecer os primeiros cursos autônomos dessa disciplina no País. Em 1936, ao ser fundada a Escola de Ciências das Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, atual UFRJ, o professor R. M. Azevedo, seu diretor, convida Djalma para organizar o setor de geologia. De 1948 a 1967, lecionou na UFMG e na Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), em quatro de seus cursos. É autor de mais de 240 publicações nos diferentes campos da geologia.

Seu nome consta da primeira ata do CNPq (17/04/1951) como um dos conselheiros da Academia Brasileira de Ciências, onde ficou até 1954. Juntamente com Francisco Magalhães Gomes, Eduardo S. M. Castro e Domício Figueiredo Murta, Djalma Guimarães foi designado, pelo governador Juscelino Kubitschek, para criação do Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR), hoje Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN). Dirigiu os mais importantes órgãos nacionais e estaduais na área das Geociências: Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Companhia de Pesquisa de Recursos Mineiras, hoje CPRM, Serviço Geológico do Brasil e ITI/MG.

Recebeu todos os prêmios conferidos a seus pares em sua época: Prêmio José Giorgi da USP (1958-1959); medalhas de ouro Orvile Derby e José Bonifácio Andrada e Silva e Medalha da Inconfidência. Foi distinguido como Professor Doutor Honoris Causa pela Ufop e pela Universidade de Lisboa. Recebeu de Madame Curie o título de Principe dos Geólogos.

Em 1974 foi homenageado com a criação do Museu de Mineralogia Professor Djalma Guimarães, da Fundação Municipal de Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte, atualmente localizado no Edifício Rainha da Sucata na Praça da Liberdade, Belo Horizonte.

Diversa - Revista da Universidade Federal de Minas Gerais - Ano 6 - nº. 11 - maio de 2007