Mocinha ou vilã?
01/03/2004 Maurício Guilherme
Silva Jr. Muito se discute a interferência da mídia
no cotidiano dos cidadãos. Diversas teorias buscam explicar como se dá
o processo de interação entre as pessoas e os meios de comunicação.
Há quem veja no receptor de informações - o indivíduo
comum - capacidade e autonomia de escolha e interpretação; de outro
lado, estudiosos que enxergam a mass media como uma manipuladora incontrolável.
Integrante da famosa Escola de Frankfurt, o filósofo alemão Theodor
W. Adorno, que dedicou amplo esforço à investigação
do tema, foi partidário da visão, por assim dizer, mais "pessimista".
Uma
introdução à problemática da indústrial cultural,
a partir do pensamento de Adorno, é a proposta do mais recente livro do
professor Rodrigo Duarte, a ser lançado pela Editora UFMG. Teoria crítica
da indústria cultural, obra que integra a coleção Humanitas,
busca revelar a atualidade das idéias de Adorno, mesmo depois da intensa
evolução dos meios de comunicação nas últimas
décadas. "Procuro compreender a evolução da obra crítica
de Adorno ao longo dos anos, e, por fim, como é possível analisar
o que aconteceu na indústria cultural dos anos 60 para cá",
resume o autor.
Dos anos 40, quando o filósofo alemão iniciou
suas análises sobre o fenômeno, aos dias de hoje, os recursos tecnológicos
se multiplicaram. Em meados do século 20, havia apenas sistemas de rádio
e a máquina hollywoodiana de cinema. Hoje, além da televisão,
das transmissões via-satélite, de equipamentos de áudio com
alta-fidelidade e até mesmo dos vídeos caseiros, a informática
e os recursos de rede tornaram ainda mais complexas as relações
entre público e mídia. "É impossível um regime
manter-se no poder sem o auxílio da indústria cultural", diz
o professor. Iraque
Como exemplo da importância dos meios sobre a opinião pública,
Rodrigo Duarte cita a recente invasão dos Estados Unidos ao Iraque. No
caso, o presidente George Bush utilizou-se da mídia para convencer a sociedade
norte-americana de que não havia outra alternativa senão a guerra
contra a nação presidida por Saddam Russein, acusada de produzir
e estocar armas de destruição em massa. A indústria
cultural também foi decisiva para manter a coesão social durante
a Guerra Fria, período marcado pela divisão geopolítica em
dois pólos: o capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o socialista,
comandado pela antiga União Soviética. "Na época, a
mídia enalteceu o elevado padrão de consumo da sociedade capitalista,
principalmente nos Estados Unidos, associando-o à idéia de liberdade",
lembra o pesquisador. A indústria cultural agiria, justamente, na
difusão da idéia de consumismo como liberdade de escolha do indivíduo.
Apesar dos tempos serem outros, na visão de Rodrigo Duarte, a análise
crítica de Adorno em relação a tal realidade permanece intacta.
"Sua crítica está mais atual do que nunca, o que torna ainda
mais importante o esforço de trazer à discussão o pensamento
do filósofo", diz o professor, ressaltando a importância de
as teorias enxergarem o caráter sistêmico da indústria cultural.
Não é possível, segundo Rodrigo Duarte, dividir a questão
entre os "pessimistas" - para quem não há saída
contra a indústria cultural - e os "otimistas", que desprezam
o poder dos veículos de comunicação de massa. "Sou contra
a demonização da indústria cultural. É preciso analisá-la
e críticá-la como reflexo de um sistema coercitivo. Não condeno
o meio em si, mas a forma como é utilizado", completa.
|