Professores, estudantes e funcionários da UFMG participaram, na tarde desta quinta-feira, 5, de discussão sobre a reforma do ensino superior brasileiro. O debate Universidade, democracia e reformas do governo Lula foi realizado no auditório Neidson Rodrigues, da Faculdade de Educação (FaE). Participaram da mesa os professores Francisco de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP), João Antônio de Paula, da Face, Sérgio Martins, do IGC, Beatriz Couto, da Escola de Arquitetura e representante da Associação dos Professores Universitários da UFMG (Apubh), e Marina Barbosa Pinto, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN). Ampliar a discussão Como forma de explicar o papel fundamental das universidades na busca por nações mais igualitárias, o professor fez um histórico da educação superior brasileira. “O Brasil é tardio no que tange à criação de instituições de ensino superior. As pioneiras, USP e Universidade do Distrito Federal, foram criadas na década de 30. Isso fez com que o país não soubesse preparar-se para os novos tempos”, disse. Segundo Oliveira, na era industrial, nenhuma economia é capaz de caminhar sem instituições de pesquisa, responsáveis pela produção de conhecimento. Paralelamente a isso, o professor revelou o histórico de desenvolvimento do país: de 1900 a 2002, a taxa média de crescimento da economia foi de 5,3% ao ano. “Ou seja: a iniqüidade social do Brasil não se deve à falta de crescimento. O problema é que 10% dos mais ricos se apropriam mais renda que as elites de dois países hegemônicos, Estados Unidos e Inglaterra”, afirmou. O professor lembrou uma série de variáveis que contribuíram para a enorme distância entre crescimento econômico e eqüidade social. “Em primeiro lugar, os salários do trabalhador jamais cresceram. Além disso, as relações de trabalho estiveram sempre sob o controle do Estado”, disse. A “face da desigualdade”, no ver de Francisco de Oliveira, é ainda mais ressaltada com a “continuísmos” do governo petista, “que desestrutura os movimentos sociais e quer avançar em direção às entidades de classe, universidades e funcionalismo público”. Tanto no contexto histórico, quanto na atual situação política brasileira, Francisco de Oliveira enxerga a universidade como único espaço, construído pela sociedade, onde a democracia é real. “As universidades federais operam um milagre no Brasil: elas são públicas, gratuitas e laicas. Além disso, ninguém pode se apropriar delas”, ressaltou. Apesar disso, no entanto, os esforços de professores, alunos e funcionários, ao longo das décadas, não foi capaz de diminuir a desigualdade social. “Mas, sem ela, tudo seria pior. O fim da universidade pública, principal responsável pela pesquisa no país, é um passo para a consolidação da educação como mercadoria”, completou. Momento único Quanto à reforma universitária, analisou questões como o papel social da pesquisa, a atividade dos inativos na academia, o fetichismo da titulação e a complexidade do orçamento global. “Apenas a lucidez acerca do que o governo pretende implantar pode ajudar-nos a enfrentar os desafios da educação”, completou. O professor João Antônio de Paula comentou as “três ondas” de reforma universitária da história brasileira. A primeiro delas remonta aos anos 30, época de conquistas trabalhistas e modernização institucional. A segunda diz respeito às alterações implementadas pelos militares, baseadas em “aspectos modernizantes” e acopladas a valores nacionais. “Agora, vivemos a terceira onda, em que, mais uma vez, corre-se o risco de vermos nossas demandas sociais não contempladas. É preciso barrar algumas das idéias propostas”, afirmou. Patrimônio Sobre a reforma, lembrou alguns dos pontos positivos no projeto do MEC, como a busca por maior número de vagas e a discussão em torno de cotas, mas frisou sua preocupação com outros tópicos. “O Prouni, por exemplo, é um retrocesso. Trata-se da transferência de recursos públicos, através de isenção fiscal, para o setor privado”. Já o professor Sérgio Martins, do IGC, revelou sua preocupação em ver a educação transformar-se em bem de produção. “Temos que nos preocupar com a possibilidade de viabilização do ensino superior enquanto campo de ação empresarial”. Ele criticou, ainda, a redução, nos últimos, dos prazos para realização dos projetos de pós-graduação. “As contradições do sistema educacional manifestam-se permanentemente. Há investimento maciço em marketing. Contudo, tais movimentos do capital pouco resolvem nossas principais questões”, completou.
Em seu depoimento, Francisco de Oliveira ressaltou a importância de toda a sociedade discutir a reforma universitária: “O assunto é amplo, complexo e diz respeito a todos. Não entendo porque alguns setores sociais deixam de lado a questão”.
A professora Beatriz Couto, da Escola de Arquitetura e representante da Apubh, relembrou algumas das causas da entidade, principalmente na resistência à reforma da Previdência, e chamou a atenção para “o momento único que vivemos no plano da intelectualidade”. Para ela, o trabalho do “intelectual clássico”, distanciado dos interesses econômicos, não conta com a proteção do Estado.
Para João Antônio de Paula, a universidade é, hoje, o espaço da conservação do patrimônio comum à sociedade: “E deveria ser também o local de preservação dos valores éticos. Além disso, precisamos denunciar o caráter periférico do Brasil, que há mais de 20 anos vive em função de matrizes econômicas estrangeiras”.