José Francisco Soares, professor da Faculdade de Educação da UFMG e especialista em avaliação de estudantes, defende que a Universidade adote o Enem como primeira etapa de seu vestibular, mas afirma que não acredita que o exame, por si só, seja capaz de mudar o perfil do aluno admitido. Ele concedeu esta entrevista ao Portal UFMG. Qual a sua posição sobre o Enem – como forma de avaliação de ensino e como critério para ingresso nas universidades? Veja a programação completa da Semana na página do evento.
O novo Enem coloca de forma clara que, ao fim do ensino básico, os jovens brasileiros devem dominar quatro competências cognitivas fundamentais para sua participação crítica na sociedade. Esta decisão está alinhada com a reflexão usada em vários outros países do mundo, como aqueles que aderiram ao Pisa (programa internacional de avaliação de alunos). No entanto, a admissão ao ensino superior exige a consideração de outras estruturas. Entendo que devem influenciar a escolha dos testes dos exames de admissão as especificidades dos diferentes cursos, seus projetos, as profissões, as universidades. Ou seja, o novo Enem pode funcionar muito bem como uma primeira etapa.
Com a adoção da prova por muitas instituições de ensino superior, que mudanças deveriam ser feitas no exame?
Pessoalmente preferiria que o exame tivesse uma matriz de especificação mais pedagógica, construída com amplo uso de exemplo e justificativas para as habilidades incluídas em cada uma das quatro competências. A forma atual é muita abstrata e em muitos casos não permite a clara identificação das tarefas que, se realizadas, indicarão que o aluno domina a competência. Além disso, é preciso oferecer o exame em mais de uma ocasião durante o ano, usando-se a tecnologia de testes adaptativos via web. Ou seja, o novo Enem precisa ser um certificado que mostra qual é o nível de domínio daquelas quatro competências que cada aluno adquiriu em sua educação básica.
O senhor acha que a UFMG deve adotar a prova nos próximos vestibulares? Com que preocupações?
Como primeira etapa, acho que a UFMG deve adotar o Enem. Há anos mostrei em trabalho acadêmico que esta decisão não muda quase nada quem é selecionado. Este é um ponto pouco claro para muitos. O Enem por si só não muda o perfil do aluno admitido. Pode favorecer uma mudança, mas não há dados para se mostrar essa possível mudança.
O que falta na outra ponta, ou seja, como famílias, escolas e gestores podem se beneficiar melhor de exames como o Enem?
Ao fim do ensino médio, as famílias já fizeram o que deveriam ter feito. Sua omissão ou participação já se cristalizou em cada aluno. Não se pode improvisar envolvimento com a vida escolar dos filhos. Esta é uma postura que deve estar na rotina das famílias. O novo Enem, ao sinalizar que o cidadão precisa de conhecimentos úteis para a sua vida, pode influenciar muito a forma como o ensino básico é organizado. Isto é uma necessidade. No entanto, essa adaptação não pode ser feita à custa da trivialização do ensino.
Tem se pensado em outras formas para avaliações de alunos e escolas? O senhor tem preferências definidas?
O uso atual do Enem para comparar escolas é completamente inadequado e deveria ser questionado ativamente. Há dois problemas incontornáveis. O Enem é voluntário e, portanto, a média de cada escola depende de quais alunos fizeram as provas. Há uso abusivo disso por escolas que deixam de fora, por ações deliberadas, até 60% de seus alunos. Ao se reproduzirem as hierarquizações, parte da mídia valida esse tipo de decisão claramente perniciosa para a promoção da qualidade da educação. Além disso, as escolas atendem a alunos diferentes. No Brasil, com sua grande desigualdade social, as escolas que atendem aos mais excluídos socialmente terão naturalmente notas menores. O país precisa conhecer e imitar as políticas e práticas de suas boas escolas.