Universidade Federal de Minas Gerais

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Andréa Zhouri: audiências públicas viraram mise-en-scène de democracia

Belo Monte reflete uma "economia desmaterializada", analisa coordenadora de grupo de estudos ambientais da UFMG

segunda-feira, 14 de março de 2011, às 7h45

No Dia Internacional de Luta contra as Barragens, 14 de março, o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta) da UFMG e a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) direcionam sua "artilharia" para o mais polêmico empreendimento elétrico em curso no Brasil: a construção da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará.

As duas entidades promovem, nesta segunda-feira, a partir de 19h, no auditório Sônia Viegas da Fafich, um simpósio em que serão discutidos os impactos socioambientais e a condução do processo de licenciamento da usina, projetada para ser a terceira maior do mundo.

Para isso, foram convidados três pesquisadores que desempenharam papel de proa no chamado Painel de Especialistas, responsável por detalhada análise do EIA/Rima do empreendimento: a antropóloga Sonia Maria Barbosa Magalhães, da Universidade Federal do Pará (UFPA), conhecedora dos povos indígenas da região, Oswaldo Sevá Filho, da Unicamp, que acompanha o desenrolar do projeto desde os anos 80, e Francisco del Moral Hernandez, da Universidade de São Paulo.

Os debates serão mediados pela professora Andréa Zhouri, coordenadora do Gesta, núcleo de pesquisa do Departamento de Sociologia especializado em licenciamento ambiental e que está prestes a lançar site com um mapeamento dos conflitos ambientais em Minas Gerais. Em entrevista ao Portal da UFMG, Zhouri resgata a história do projeto de Belo Monte, barrado no final dos anos 80 por conta da pressão dos movimentos ambientalitas e pró-indígenas, e critica a sua retomada no século 21, marcada, segundo ela, por falhas no processo de licenciamento.

Por que Belo Monte é um empreendimento tão polêmico e emblemático?
Ele prevê a construção de uma hidrelétrica gigantesca, a terceira maior do mundo, com 600 quilômetros quadrados de área inundada. Cem quilômetros serão desviados, e o canal que se formará a partir desse desvio, chamado de Volta Grande, é maior do que o Canal do Panamá. O Rio Xingu praticamente vai secar nesse trecho, sua vazão será substancialmente reduzida. Também é emblemático porque fica em uma região povoada por camponeses, agricultores, ribeirinhos e indígenas. Acalentada durante o regime militar, a obra de Belo Monte tem o perfil típico de empreendimentos gestados em regimes autoritários. Nos anos 80, recebeu o nome de Kararaô, grito de guerra indígena. Foi abortado por causa da grande pressão social dos povos indígenas, de ambientalistas, da comunidade internacional. Não há quem não se lembre do Encontro de Altamira, em 1989, quando a índia Truíra pôs um facão na face do então diretor da Eletronorte (José Antônio Muniz Lopes). Essa imagem rodou mundo e marcou uma era. A não construção da Barragem de Belo Monte foi uma vitória da democracia e da Constituição Brasileira, que em 1988 dedicou capítulos especiais ao meio ambiente e aos direitos dos povos indígenas.

Em que contexto o projeto foi retomado?
Foi no início do governo Lula, em 2003, com o nome de Belo Monte, em substituição ao Kararaô, denominação que os índios interpretavam como uma ofensa, uma apropriação indevida de seu grito de guerra. Ele volta dentro de um pacote maior, já que projetos de energia e de infraestrutura formam o coração do PAC. Retornou em uma época em que se imaginava que os projetos concebidos durante o regime militar estavam enterrados, superados. Belo Monte está na contramão de uma história de 25 anos, período em que se estabeleceu um marco regulatório ambiental para o país. Ele representa também um desrespeito à diversidade cultural e étnica, sem falar de seu conteúdo técnico cheio de vícios.

Em que aspectos?
Seu licenciamento aconteceu de forma tumultuada, com muitas falhas técnicas, políticas e administrativas. A licença prévia, por exemplo, foi aprovada no ano passado com várias condicionantes não cumpridas pelo consórcio Norte Energia. A principal delas é a oitiva às populações indígenas, exigência prescrita pela Constituição Brasileira e pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Houve quatro audiências públicas, mas as oitivas, que são instrumentos de consulta aos povos indígenas, não foram realizadas. Esse projeto põe em evidência falhas recorrentes no licenciamento ambiental de empreendimentos, especialmente de hidrelétricas. As próprias audiências públicas são ineficazes, acontecem tardiamente, quando o processo de licenciamento está praticamente finalizado.

Funcionam como um ‘carimbo’...
Viraram uma mera formalidade burocrática em vez de se constituírem em espaço de ouvidoria. Representam jogos de cena, uma mise-en-scène de democracia, e não cumprem, na prática, a função para a qual foram desenhadas. Em Belo Monte, há 10 ações civis públicas questionando o empreendimento. A licença concedida este ano para a construção do canteiro de obras, chamada de parcial, simplesmente inexiste no marco regulatório brasileiro. É um expediente para atender interesses dos empreiteiros, em detrimento de uma análise ambiental e social aprofundada.

Há um temor de que, no rastro de Belo Monte, outras barragens possam ser construídas e comprometam, de forma irremediável, o ecossistema amazônico...
Certamente. São dezenas de barragens projetadas para vários rios amazônicas, que afetam a vida das sociedades caboclas, ribeirinhas e ameaçam o modo de vida na região.

A geração de energia é incompatível com esse modo de vida?
O que ocorre é que nosso modelo energético baseia-se na geração de energia em um local para abastecer outro muito distante. Existem levantamentos mostrando que as perdas nas linhas de transmissão são da ordem de 20%, enquanto o índice tolerado internacionalmente é de 6%. É um modelo muito frágil. Basta um período prolongado de secas, como o que marcou o "apagão” de 2001, para se ver o quão frágil é esse modelo. Oitenta por cento da nossa energia baseiam-se na água, um bem público que exerce múltiplas funções. O mundo vive uma crise relacionada a esse recurso natural, e o Brasil, em algumas regiões, tem abundância de água doce, principalmente na Amazônia. Se você direciona o uso da água para a energia, está condicionando os rios a uma única função produtiva. Eles têm outras funções e são importantes para garantir o modo de vida das populações amazônicas. Além do mais, temos outras possibilidades energéticas.

Quais?
O Brasil investe muito em geração de energia e muito pouco em gestão energética. Há estudos que mostram que medidas de eficiência energética economizariam o equivalmente a uma barragem do porte de Belo Monte ou Itaipu. Por que não repotenciar as usinas mais antigas, construídas há 20 ou 30 anos, ou reativar usinas antigas? Precisamos diversificar a nossa matriz energética. Somos um país tropical, temos biomassa, sol e ventos. Precisamos investir na inteligência e diversificar a matriz para não deixá-la à mercê de um único recurso.

A estagnação econômica, o movimento ambientalista e a própria pressão da comunidade internacional provocaram a suspensão do projeto de Belo Monte no final dos 80. Os mesmos grupos que barraram o empreendimento têm condições de fazer o mesmo diante de um cenário econômico mais complexo e que demanda maior geração de energia?
Existem tentativas nesse sentido. No início de fevereiro, participei de um seminário em Brasília promovido pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e pela UnB. Lá estava o cacique Raoni, do alto de seus 80 anos, com toda sua força, energia e sabedoria. Ele foi uma das lideranças do movimento nos anos 80, quando percorreu o mundo com o cantor Sting para denunciar o projeto da Usina. Foi emocionante ver a sua persistência. E, ao mesmo tempo, triste ao constatar que a mesma história se repetia com os mesmos atores, o movimento Xingu Vivo para Sempre e organizações internacionais. É uma simplificação afirmar que o projeto Belo Monte foi barrado nos anos 80 por causa da estagnação econômica. Hoje, a economia está aquecida, mas mais aquecido é o lobby das construtoras e das empreiteiras que lucram tremendamente com o negócio energia. A produção de energia hoje é um business, diferentemente dos anos 80 quando ainda era estatizada. Em 1997, o setor elétrico foi privatizado, o que mudou o panorama. Temos investidores, empreiteiras e segmentos financeiros altamente interessados nesse projeto.

As dificuldades, então, são muito maiores...
Sem dúvida. Além dos grupos econômicos e financeiros, temos também a vontade de um governo que estabelece que o país deve crescer de 5 a 6% ao ano. É uma meta sem concretude, própria de um cenário desmaterializado, de uma economia construída a partir de números e projeções e não em um contexto real. É preciso considerar a materialidade da existência: os rios, a terra, os recursos naturais. A economia globalizada não leva em conta a oikos (a casa); é uma economia especulativa, abstrata, voltada para fora, o mercado, e não para dentro, ignorando as pessoas e as condições ecológicas de produção.

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