FÓRUM PERMANENTE DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
SEMINÁRIO 2004

CONCEPÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben
Faculdade de Educação

Conforme apresentado na programação deste seminário, os objetivos que movem as nossas discussões abrangem, além do reconhecimento das concepções de formação continuada de professores, como pretende este texto, o debate sobre as possibilidades de se estabelecer uma política de formação docentes no âmbito da UFMG. Pretende-se, assim, aprofundar a discussão sobre os pressupostos teórico-metodológicos da formação continuada, identificando diretrizes comuns às diferentes áreas, integrando ações que vêm sendo desenvolvidas no âmbito dos projetos de Formação Continuada de professores na UFMG.

Organizo, então, este texto em três partes. Na primeira apresento diretamente as concepções que vêm sendo apontadas pelos diferentes autores para construirmos um panorama e situarmos o debate teoricamente, na segunda parte problematizo a questão a partir da discussão do papel da Universidade na sua relação com a sociedade situando as questões que estariam interceptando este debate e numa terceira parte, mais objetivamente, procuro apontar alguns indicadores fundamentais que poderiam orientar os processos de implantação e análise dos projetos de Formação Continuada desenvolvidos nas diferentes áreas.

I- As concepções de formação continuada segundo os estudiosos do tema.

O que seria a formação continuada? Seriam os processos que acontecem em situações específicas, após a formação inicial, considerada aqui, como a formação desenvolvida durante a graduação? O que dizer, nos casos dos professores da educação básica que possuem a formação inicial no nível médio (professores dos anos iniciais do ensino fundamental) que, em serviço, retornam às instituições de ensino superior para cursarem a graduação? E aqueles que, em busca de aprofundamento ou titulação, retornam à universidade para fazerem o mestrado e doutorado? Essas situações, às vezes, não são consideradas quando se discute a formação continuada e a idéia predominante refere-se, especialmente, àqueles projetos em que ações de formação acontecem em situações específicas, em espaços específicos, conforme propostas elaboradas a partir de demandas também específicas.

A maioria dos autores, quando se referem às concepções de formação continuada de professores, apóia-se em DEMAILLY (NOVOA,1992) que classifica esses projetos em 4 modelos:
1-Forma universitária – projetos de caráter formal, extensivo, vinculados a uma instituição formadora, promovendo titulação específica. Por exemplo, qualificações da pós graduação ou mesmo na graduação.
2-Forma escolar – cursos com bases estruturadas formais definidas pelos organizadores ou contratantes. Os programas, os temas e as normas de funcionamento são definidos pelos que contratam e, geralmente, estão relacionados a problemas reais ou provocados pela incorporação de inovações.
3-Forma contratual – negociação entre diferentes parceiros para o desenvolvimento de um determinado programa. È a forma mais comum de oferta de cursos de formação continuada, sendo que a oferta pode partir de ambas as partes.
4-Forma interativa- reflexiva - as iniciativas de formação se fazem a partir da ajuda mútua entre os professores em situação de trabalho mediados pelos formadores.

NÓVOA ( 1992) não traz novidades, mas reorganiza esses quatro modelos em dois grupos:

1- Modelo estrutural – engloba a perspectiva universitária e escolar. Fundamentado na racionalidade técnico-científica em que o processo de formação se organiza com base numa proposta previamente organizada, centrada na transmissão de conhecimentos e informações de caráter instrutivo. Os projetos são oferecido por agências detentoras de potencial e legitimidade informativa, exterior aos contextos profissionais dos professores em processo de formação e possuem controle institucional de freqüência e desempenho.

2- Modelo construtivo - engloba o contratual e interativo- reflexivo. Parte da reflexão interativa e contextualizada, articulando teoria e prática, formadores e formandos. Prevê avaliações e auto-avaliações do desempenho dos envolvidos, mas essas podem ter um caráter informal. Implica uma relação em que formadores e formando são colaboradores, predispostos aos saberes produzidos em ação. O contexto é de cooperação em que todos são co-responsáveis pela resolução dos problemas práticos. È comum o uso de grupos focais, oficinas, dinâmicas de debates, além, de exercícios experimentais seguidos de discussões.

A escolha de um modelo e as dimensões da formação continuada

Um programa de formação continuada se desenvolve um campo complexo e a escolha do melhor modelo ficará condicionada à conjunção de forças desse campo. Isso significa que um bom modelo para um grupo pode não o ser para outro, dependendo das expectativas e desejos dos participantes.

GATTI (2003) diz que a formação continuada de professores consiste numa questão psicossocial, em função da multiplicidade de dimensões que essa formação envolve, a dizer:

1- Especialidade – envolve a atualização do universo de conhecimentos dos professores. Ancora-se na constante reavaliação do saber que deve ser escolarizável sendo, por isso a dimensão que mais direciona a procura por projetos de formação continuada.
2- Didática e pedagógica – envolve o desempenho das funções docentes e a prática social contextualizada. A prática docente é essencialmente uma prática social, historicamente definida pelos valores postos no contexto. Isso significa que, por vezes, propostas didáticas poderão se confrontar com as experiências, expectativas pessoais ou desejos dos docentes.
3- Pessoal e social – envolve a perspectiva da formação pessoal e do auto conhecimento. Enfocada pela necessidade de interação em contextos diversos e a necessidade de entender o mundo e a sua inserção profissional neste mundo.
4- Expressivo-comunicativa – valorização do potencial dos professores de sua criatividade e expressividade no processo de ensinar e aprender. È uma busca de caráter operacional, técnico.
5- Histórico cultural – envolve o conhecimento dos aspectos históricos, econômicos, políticos, sociais e culturais incluindo a história da educação da Pedagogia e sua relação com as necessidades educativas postas no contexto.

Segundo a autora, um projeto de formação continuada não pode ser construído ignorando-se o conjunto das dimensões que estão envolvidas, a natureza e as características psicossociais do ato educativo. Os contextos institucionais e sociais que enquadram as práticas dos professores são diversos e as demandas por educação se constroem em campos bastante diferentes.

No entanto, KRAMER (1989) questiona as propostas de formação continuada no Brasil que ainda privilegiam a formação profissional desconhecendo, por vezes, a pessoa ou o cidadão em formação. Para ela, essas estratégias privilegiam a formação técnica – treinamento com efeito multiplicador e/ ou vivências pontuais, localizadas na socialização de experiências vividas.

MARIN ( 2002) é mais ousada. Para ela, a formação continuada de professores deveria transformar a escola em espaço de troca e de reconstrução de novos conhecimentos. Deveria partir do pressuposto da educabilidade do ser humano, numa formação que se dá num continuum, em que existe um ponto que formaliza a dimensão inicial, mas não existe um ponto que possa finalizar a continuidade desse processo. Assim, a formação continuada é, em si, um espaço de interação entre as dimensões pessoais e profissionais em que aos professores é permitido apropriarem-se dos próprios processos de formação e dar-lhes um sentido no quadro de suas histórias de vida.

II -Problematizando o Contexto de Implementação dos Modelos de Formação Continuada.

O debate sobre as possibilidades de se estabelecer uma política de formação docente no âmbito da universidade não é algo simples. Envolve a discussão do papel social da instituição, dos pressupostos teórico-metodológicos da produção do conhecimento e dos impactos relacionados às diretrizes emanadas de outros órgãos gestores que definem processos de avaliação da produtividade daqueles que vivem a universidade e que a fazem no seu cotidiano. Assim, para introduzir o debate seleciono três grupos de questões:

O que se procura com os projetos de formação continuada de professores na UFMG?
Formação de profissionais reflexivos e auto-determinados?
Transformações efetivas nas relações pedagógicas e profissionais?
A superação da dicotomia teoria - prática?
A elevação do nível de compreensão técnica, científica e política dos professores e, em conseqüência, de seus alunos, redimensionando assim o compromisso da universidade com a formação do professor?
Como estamos explicitando as nossas metas em nossas propostas para deixar claras as nossas intenções?

Será que podemos ter uma orientação segura quanto ao desenvolvimento das atividades de formação continuada de professores quando temos, ainda, dificuldades para precisar a concepção de formação inicial de professores que se abraça no interior dessa universidade?

Qual o lugar da atividade de extensão no contexto da formação continuada de professores e no contexto da própria universidade no debate dessa questão? As funções primeiras da universidade estão alicerçadas no tripé ensino, pesquisa e extensão. No entanto, como se estruturaria a base sustentadora da formação de professores para a Educação Básica no interior de uma universidade que ocupa um lugar de excelência nacional?

Acrescentamos, então, algumas reflexões para uma possível discussão em torno das possibilidades e limites dos modelos existentes, apontados pelos autores na primeira parte deste texto.

O tema formação de professores está sendo apontado pela sociedade e reforçado com a divulgação dos dados de pesquisas pela mídia, como um problema nacional da maior importância. O ministro Cristovan Buarque denominou de TRAGÉDIA NACIONAL os altos índices de reprovação, evasão e exclusão social da Escola Básica e inúmeras pesquisas têm apontado a situação precária de formação do cidadão brasileiro para o enfrentamento dos novos tempos e de suas tecnologias.

Com isso algumas representações estão sendo construídas pela sociedade de um modo geral:

· A escola pública não ensina;
· O professor é despreparado; desqualificado;
· O professor é o culpado pela má qualidade do ensino, pelo analfabetismo e pela não aprendizagem da matemática;
· Por outro lado, a universidade forma professores, então, ela também não sabe formar, ficando, então, questionada em sua excelência.
· Em torno desse debate, todos dão palpites, criam soluções, como vimos nos debates políticos da última eleição.

Ø No entanto, sabemos que as universidades públicas, aquelas que podem carregar o título da “excelência” do conhecimento superior, formam apenas 30% dos professores da Educação Básica.
Ø Mas sabemos, também, que a formação de professores não é contemplada no interior das universidades como uma área de prestígio acadêmico.
Ø E, ainda, os programas de pós-graduação, pouco ou nunca, se estruturam com concretas articulações com a graduação na busca pela incorporação da excelência na formação do professor.

Diante disso, perguntamos: Que argumentos estamos oferecendo à sociedade, que reclama por respostas e que alternativas estamos construindo? È do nosso interesse apresenta-las?

A resposta a essas questões torna-se fundamental para o debate sobre os projetos de formação continuada de professores porque tocam em pontos nevrálgicos do nosso fazer universitário. Tocam em valores construídos historicamente relativos à relação ensino, pesquisa e extensão na universidade e tocam na relação que estabelecemos com o próprio conhecimento por nós produzido. Existe um lugar social de prestígio ocupado pela universidade e muitos a procuram em função das suas possibilidade em oferecer respostas. No entanto, sabemos que este lugar social se constrói num campo de luta entre concepções relativas ao conhecimento, entre a relação educação – trabalho e teoria - prática.

Como um projeto ou programa de formação continuada se situa, no interior destes conflitos?

BOAVENTURA SANTOS (1996 p.187) comenta que “a instituição universitária, sobretudo no mundo ocidental, está associada à rigidez funcional e organizacional, à relativa impermeabilidade às pressões externas, enfim, às mudanças”.

Alguns consideram que isso seja bom e que não devamos ficar envolvidos com essas pressões. Mas, será que podemos ficar impermeáveis às essas demandas diante do contexto atual? No que se refere aos programas de formação continuada de professores, é claro que são, sobretudo, programas de cunho social e, assim sendo, compreensão e o diálogo com os sujeitos, focos dos programas, passam a ser os principais eixos na constituição dos projetos a serem implementados. Nesse sentido, o diálogo com as demandas sociais torna-se imperativo. Para isso pergunta-se:
- Os formadores e os formandos têm os mesmos objetivos? Quais os vínculos institucionais e pessoais foram estabelecidos ou selados na estruturação e implementação do programa?
- Que valores sociais, pessoais e acadêmicos estão embutidos nos trabalhos? Como os sujeitos encarnam estas questões, características e valores?

Apontamos dois aspectos como fundamentais na articulação desses programas: - o tipo de relação pedagógica a ser estabelecido e a relação com os conteúdos do próprio programa. Enfrentar esse debate é importante para a efetividade de qualquer iniciativa.

· A relação pedagógica a ser estabelecida no programa

Os inúmeros vínculos estabelecidos em projetos de formação continuada são mediados por uma noção de conhecimento. Assim, aqueles que assumem a noção clássica de conhecimento estarão organizados segundo perspectivas bastante diferentes daqueles que tomam por base o paradigma do conhecimento como uma produção social, localizado e produzido na relação dos sujeitos com a construção da própria vida.

Neste último caso, o conhecimento fundado na reflexão das experiências é tomado como ponto de partida para o diálogo com o conhecimento já sistematizado. È uma perspectiva que se baseia na idéia da aprendizagem significativa. A relação pedagógica que se estabelece entre as partes no contexto deste paradigma diferencia os saberes da prática e da experiência dos saberes considerados científicos, relativamente à sua metodologia e sistematização, mas não os qualifica como melhores ou piores, mais verdadeiros ou menos verdadeiros. Isso, conseqüentemente, altera os vínculos que serão estabelecidos entre os diferentes sujeitos que participam do programa de formação. Assim sendo, a clareza da opção por uma das concepções construirá o alicerce do cenário das relações pedagógicas a serem estabelecidas entre implementadores e sujeitos em processos de formação.

Por vezes, as interações não se efetivam por ausência de explicitação das bases do diálogo. Os formadores podem estar buscando a reflexão da prática e a re-significação dos saberes da experiência do professor, mas aqueles em processos de formação podem estar buscando respostas diretas, soluções, fundamentos ou teorias. O contrário pode também acontecer: os formadores formulam projetos, desejosos para levar à escola de educação básica aquilo que consideram a chave da mudança.

Talvez, a negociação de metas seja a atitude sábia, com a explicitação de objetivos, delineamento de posturas, análise de cenários para opções no sentido da manutenção ou permanência de processos e estruturas, ou no sentido da transformação e da mudança. Processos de negociação bem desenvolvidos já representam um bom começo para a construção de um trabalho efetivo.

GATTI, no último seminário da extensão na UFMG, usou uma expressão interessante: “novas línguas devem ser soltas”. Isso significa, para ela, que os verdadeiros atores devem tomar o seu efetivo lugar nos cenários adequados, para que possamos ouvir os desafios que eles nos apontam.


· O conhecimento a ser disseminado

Os tempos atuais falam de disseminação de conhecimento. Existe uma tensão latente pelo que não se sabe e espera-se que o novo venha trazer a solução. Existe o desejo pela socialização do conhecimento e sabe-se que o acúmulo de informações ou conhecimentos faz a diferença entre grupos humanos. No entanto, pouco tempo existe para nos perguntarmos:

· O que sabemos sobre as práticas docentes no interior de uma escola de educação básica no interior do Brasil ou na periferia de um grande centro?
· Que diferença faz o conhecimento por nós produzido no interior da universidade para o contexto dessas práticas escolares?

A universidade como lócus de produção ocupa um lugar social almejado. Ela sempre tem o que dizer e sempre tem alguém que a deseja ouvir. Isso é muito bom. Que continuemos nesse patamar porque é este o nosso papel como instituição produtora e sistematizadora do conhecimento científico.

No entanto, diante do quadro social, anteriormente traçado, em relação à efetividade da escola de educação básica, o que dizer da nossa produção em relação à formação inicial ? E o que dizer da formação continuada e em serviço quando não sabemos ainda precisar o que seria um bom modelo de formação inicial?

O lugar social da universidade sempre foi reforçado pela noção clássica de conhecimento, concepção por ela cultivada. No entanto, as críticas que recaem sobre as práticas pedagógicas da escola de Educação Básica revelam que os processos de ensino não são efetivos quando privilegiam a memorização, a compreensão da ciência como um processo revestido de neutralidade, característicos de uma relação de pouco diálogo com os conteúdos das práticas curriculares e o cotidiano, numa atitude de aceitação impune daquilo que está dito nos livros didáticos.

Ora, se por vezes, justificamos as condições de trabalho do professor como responsáveis pelo seu pouco preparo, tendo a levantar uma outra questão: que tipo de relação pedagógica temos estabelecido e cultivado em nossas práticas universitárias que passam a representar o modelo a ser seguido na escola de educação básica? Como lidamos com a construção do conhecimento no interior de nossas salas de aula, na formação de nossos alunos, futuros formadores? Em outras palavras, os professores da educação básica reproduzem nas suas salas de aula a relação unidirecionada e de transmissão dos conteúdos, ditos verdadeiros, que repassamos a eles no interior de nossas aulas na graduação. No entanto, muitas de nossas verdades não estarão adequadas à realidade que os nossos alunos irão encontrar após a formação inicial. Por mais que questionemos o processo de transmissão didática frágil no qual os docentes da escola básica estão envolvidos, existe uma lacuna fundamental entre a concepção relativa ao conhecimento/PRODUTO e ao conhecimento/PROCESSO. Quando a escola básica se coloca como transmissora de produtos, ela se espelha nos saberes produzidos por nós, no entanto, a experiência metodológica vivida por nossos doutores no processo de produção não tem um lugar evidenciado.

Esta questão coloca a idéia da pesquisa como um princípio educativo fundamental na formação de professores, como um pilar da maior importância na perspectiva de construção de modelos de formação docente.


Como discute BOAVENTURA SANTOS ( 1996, p 194) após os anos sessenta, “ a massificação da universidade não atenuou a dicotomia ( alta cultura e cultura de massas) apenas a deslocou para dentro da universidade pelo dualismo que introduziu entre a universidade de elite e a universidade de massas. O autor comenta, ainda, que a hegemonia da universidade não é pensável fora da dicotomia educação – trabalho com a existência de dois mundos, o da Educação com a transmissão da alta cultura, associando-se a ela a formação do caráter, a aculturação e socialização adequados e, a idéia do trabalho, anteriormente pouco considerada, mas assumida posteriormente, como Educação para o trabalho com a transmissão de aptidões técnicas, especializadas, capazes de responder aos desafios do desenvolvimento tecnológico no espaço da produção. Nessa perspectiva, o trabalho situa-se na idéia de formação qualificada articulada com o conhecimento geral.

Sabemos que, neste momento histórico, tanto a dicotomia educação-trabalho é inadequada quanto a idéia da seqüência - educação para o trabalho. Um processo e o outro estão articulados e são fundamentalmente complementares. Por outro lado, a relação desinteressada da relação teoria/prática exaltada pela universidade, que historicamente, defendeu a busca pelo conhecimento como a busca pela verdade pura, perspectiva, essa, que é a marca da modernidade e a marca do prestígio concentrado nas ciências básicas, foi, também, o foco dos conflitos vividos nos anos 60 representados pelos apelos que traduziam as críticas à universidade isolada em uma torre de marfim.

No entanto até hoje não resolvemos o hiato entre as mudanças estruturais vividas a partir de então e as possibilidades de oferecer respostas às necessidades sociais emergentes. Existe, ainda, uma longa caminhada a ser percorrida, especialmente, no que se refere à relação da universidade e a formação de professores para a educação básica.

Retornando ao tema proposto, diria que, embora as Instituições de Ensino Superior Públicas ocupem apenas 30% das formadoras de professores, serão as nossas práticas de referência que servirão de base para a construção das políticas educacionais. No entanto, repetindo, lembramos que as pesquisas têm apontado as lacunas nos cursos de formação inicial e mesmo de atualização para o enfrentamento dos problemas das práticas pedagógicas escolares.

Assim, estamos diante de uma grande massa de professores formados por instituições de baixo padrão de qualidade educacional, diante de cursos de Licenciatura constituídos por eixos equivocados de concepção curricular, atrofiados em seus fundamentos teóricos, fragmentados em suas propostas curriculares e atomizados em instituições de pouca qualidade acadêmica.

Assim, torna-se possível dizer que, atualmente, os cursos de formação continuada desempenham o importante papel de suprir deficiências e carências da formação inicial, havendo necessidade de assumirmos os diferentes modelos lembrados no início desta fala.

Precisaremos, com certeza, estar atentos à formação de um educador-docente que deve ter uma sólida base teórica em conhecimentos específicos das diferentes áreas e em conhecimentos específicos das áreas pedagógicas. Que tenha capacidade para pensar dentro de um campo científico específico, mas deve saber ainda identificar modos de organização desse campo, saber reconstruí-lo e apresenta-lo em diferentes contextos de aprendizagem.
Precisa reconhecer e entender a diversidade cultural de nossa sociedade como fonte de conhecimento e saber lidar com ela na prática cotidiana. Para tal, os cursos precisariam contemplar além da formação objetiva relacionada à competência técnica, disciplinar, o auto-conhecimento, a autonomia, o compromisso político com a própria formação como uma questão de exercício de cidadania.

A formação continuada precisaria, ainda, estar articulada com o desempenho profissional dos professores, tornando as escolas lugares de referência.Trata-se de um objetivo que só adquire credibilidade se os programas de formação se estruturarem em torno de problemas e de projetos de ação e não em torno de conteúdos acadêmicos, apenas. Reforçamos o que Nóvoa (1992) já dizia, isto é, a separação entre pesquisadores que oferecem sua produção e professores na condição de consumidores, pouco ou nada acrescentam na reflexão ou proposição de novas práticas de ensino. Existe um espaço fundamental de negociação, de conversa, de diálogo que, na verdade, estaria construindo os elos de significação pretendidos.

Também Candau se pronuncia a favor dos processos coletivos de reflexão e intervenção na prática pedagógica concreta, reforçando espaços e tempos já institucionalizados nessa perspectiva. Fala, ainda, sobre as possibilidades de motivação que os processos de sistematização de práticas pedagógicas dos professores promovem, além da sua socialização por meio da escrita. Ressaltamos mais uma vez a idéia de que essas tentativas de sistematização situam a pesquisa com princípio de formação, localizando concretamente o papel da produção científica e da postura de um professor – acadêmico, na educação básica.

Acredito que a formação continuada tem uma característica fundamental que não pode ser esquecida, quando se imagina um modelo de trabalho, porque ela se caracteriza:
- pela superação dos limites do repasse de informações desvinculadas do contexto,
- porque é uma formação que se dá após a formação inicial, então, com sujeitos que são trabalhadores em exercício,
- numa dada realidade, podendo garantir unidade entre o cognitivo, o afetivo e o motivacional, ampliando os alcances na construção de uma cultura docente diferenciada.

A formação continuada não pode ser concebida apenas como um meio de acumulação de cursos, palestras, seminários, de conhecimentos ou técnicas, mas um trabalho de reflexibilidade crítica sobre as práticas e de construção permanente de uma identidade pessoal e profissional em interação mútua.

È certo que a universidade tem o que oferecer e tendemos a acreditar que nossas idéias contribuirão para a transformação da realidade. Isso é muito bom, no entanto, a produção do conhecimento se dá num percurso de produção que só tem sentido no contexto dessa produção. O repasse exige um novo percurso, que logicamente incorporará aquele já percorrido, mas novos sentidos e significados deverão ser criados para que nossas idéias realmente renasçam em novos contextos. È assim que conseguimos adeptos a elas.

III -Aspectos que podem interferir ou auxiliar na construção das ações de formação

Procurando fechar o debate, trazendo algumas alternativas para o desenvolvimento de nossos projetos de formação continuada, apresentamos alguns aspectos que as experiências têm apontado como fundamentais. Os autores vêm discutindo a necessidade do estabelecimento de um diálogo permanente entre os formandos e os formadores para o reconhecimento mutuo das necessidades, demandas e urgências relativas às ações propostas Krasilchik (1987 in: CUNHA) aponta algumas condições que podem aumentar a possibilidade de êxito dos cursos de aperfeiçoamento de professores. São elas: participação voluntária; existência de material de apoio; coerência e integração conteúdo-metodologia. No entender da autora é importante que os cursos atendam grupos de professores de uma mesma escola. A seguir, apresentamos uma lista de aspectos itens que valeriam a pena serem considerados na organização das propostas.

· Organização dos espaços e tempos de formação nas escolas e a condição de trabalho dos professores.
A falta ao serviço nas escolas tem sido uma marca da Educação Básica. Este compromisso ético, político e técnico com o trabalho deveria ser melhor pesquisado porque é uma marca dos tempos atuais. Quando um professor se ausenta do trabalho para fazer cursos, a equipe se ressente porque o conjunto dos docentes já está estressado. Vivem em situação de risco eminente, com dupla jornada de trabalho e salários baixos.

· Forma de oferecimento: limitação do número de vagas por escola e a organização das turmas.

A oferta de cursos ou projetos em redes de ensino muito grandes costuma ocorrer por meio de cotas ou vagas por escolas, assim um ou outro professor comparece ao curso ou participa do projeto, não havendo um impacto sobre o trabalho como um todo nas diferentes escolas, mas apenas nos indivíduos como profissionais. Isso acaba favorecendo, ainda, que sempre aquele que já fez um curso ou participou de um programa vá participar de outro. È uma situação complicada que deve ser analisada em função dos objetivos do projeto em questão.

· Apoio dos gestores
Por vezes as negociações entre gestores e os programas trazem como possibilidades o repasse aos colegas dos cursos ou projetos a serem realizados. Isso não deveria ser considerado porque não existem tempos e espaços no interior do trabalho para que isto aconteça. Da mesma forma, a distância entre as escolas e os locais onde se realizam os projetos podem ser indicadores negativos para o seu desenvolvimento. Se houver programas que exijam a continuidade na oferta, torna-se fundamental a negociação logo no início dos trabalhos, para que são haja problemas provocados com novos contextos políticos em situação.

· O envolvimento do professor potencializa as mudanças.
Isso acontece quando as propostas investem na formação pessoal, no clima de trabalho, na parceria, encarando a novidade como um desafio em relação às crenças e valores já arraigados. Trabalhos em grupos favorecem a troca e a motivação à mudança, ao engajamento e a aplicação dos conhecimentos aprendidos. Não é bom organizar grupos heterogêneos na sua formação inicial.

· Os docentes têm atração por conteúdos e materiais de simples confecção, para serem aplicados em seus trabalhos no dia-a-dia .
Os professores sabem que precisam dominar conceitos e gostam de receber os fundamentos de suas práticas. No entanto, solicitam exaustivamente que isso se faça conciliando a teoria com atividades transportáveis para a sala de aula. Na sala de aula o professor lida com conteúdos curriculares de toda ordem e os processos de aprendizagem são focos de sua prática, no entanto, outros conteúdos, como a droga, a violência, a indisciplina, o desrespeito, a falta de perspectiva para o futuro, a falta de objetividade da escola são dificuldades para o adolescente contemporâneo e são conteúdos inevitáveis que devem, portanto, ser objetos de reflexão em programas de formação continuada.

Um programa deve prever indicadores de avaliação, no sentido das mudanças desejáveis. Esses indicadores podem contemplar aspectos relacionados a natureza pessoal, comportamental, filosófica, técnica do projeto, observando:

· Alterações na postura pessoal: receptividade, simpatia, capacidade de dialogar, entusiasmo, flexibilidade diante do trabalho e da sala de aula.

· Alterações nas escolhas pedagógicas ou de conteúdos curriculares e nas formas e procedimentos de avaliação dos alunos.
· Alterações na postura diante da pesquisa, do conhecimento acadêmico, na busca por novas fontes de informação.
· Alterações no domínio dos conteúdos da área,


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Disponível na internet via WWW URL: http://www.educacaoonline.pro.br/a_formacao_continuada.asp
Capturado em 22/09/2004 14:04:25