‘Algoritmização da sociedade precisa ser regulada’, defende Virgílio Almeida
Professor do DCC ministrou a conferência de abertura do 24° Encontro do Grupo Tordesilhas; dirigentes defendem olhar ético sobre a tecnologia para garantir inclusão e impedir desigualdades
Por Teresa Sanches
Com o tema Inteligência artificial, ética e universidade: por que precisamos de regras?, o professor Virgílio Almeida, do Departamento de Ciência da Computação, abriu, na manhã de segunda (10 de novembro), as discussões do 24º Encontro do Grupo Tordesilhas, que segue até terça-feira na UFMG. O evento reúne mais de uma centena de representantes de universidades do Brasil, de Portugal e da Espanha, além de instituições governamentais e de fomento à pesquisa e inovação.
Segundo o professor, reconhecido na semana passada com o Prêmio Unesco-Uzbequistão para Pesquisa Científica sobre Ética na Inteligência Artificial, a previsão de uma sociedade híbrida, em que humanos devem interagir com agentes artificiais e cumprir decisões automáticas definidas por algoritmos, já é realidade em todo o mundo. “Quanto aos possíveis danos, ainda não sabemos, mas serão muitos”, afirmou.
Diante disso, o grande desafio do momento, especialmente para os países do Sul Global, com reflexos também nos países da Europa, como Portugal e Espanha, é regular essa forma de interação, de modo a “minimizar essa algoritmização da sociedade”. Na avaliação do especialista, nesses países, a infraestrutura digital ainda é limitada, há pouco conhecimento, e a capacidade regulatória das instituições legislativa e judiciária é lenta frente à evolução da inteligência artificial. E as desigualdades sociais e econômicas ainda são mais desafiadoras frente à concentração de poder em quatro ou cinco empresas nos Estados Unidos e China, que dominam essa estrutura de dados e tecnologia.
Formação de casais e desemprego
Virgílio Almeida citou exemplos de uso dos algoritmos nas decisões cotidianas como mobilidade urbana, plataformas de emprego, decisões judiciais e médicas, policiamento e até mesmo na forma como as pessoas se conhecem e criam relações afetivas. “Nos Estados Unidos, a quase totalidade dos casais se conhecem através de algoritmos. E, no Brasil, o que mais nos preocupa é a questão do desemprego. Do final do século 19 até hoje, houve redução nos postos de trabalho, começando pela agricultura e pela indústria, com tendência de ampliar-se ainda mais nos setores administrativos – e, gradualmente, alcançar também as áreas que exigem maior qualificação, como medicina, direito e engenharias”, reiterou.
Para o professor, “existe um novo mundo surgindo, em constante construção, sem que tenhamos um passado semelhante, que possamos refletir sobre ele. Isso coloca em risco a agência dos humanos frente à agência das máquinas. Por isso, a regulação dessa interação é urgente e cabe às universidades avançar nessa discussão”.
Suporte das humanidades
O professor reconheceu os avanços do Brasil em relação à legislação regulatória de IA, mas enfatizou que a diversidade de conhecimentos presente nas universidades é fundamental para a melhor compreensão da inteligência artificial no mundo real. “Precisamos dos conhecimentos de todas as áreas, especialmente das humanidades, como especialista na criação de significados, para estudar o comportamento coletivo humano. E é inadmissível formar alguém, de qualquer área do conhecimento, sem fundamentação sobre essas tecnologias. Elas precisam ser levadas horizontalmente para toda a universidade, formando o corpo docente e administrativo”, ponderou o professor.
O coração da questão
Durante a mesa de abertura do evento, no auditório da Reitoria, na manhã desta segunda-feira, a professora Lúcia Campos Pellanda, da Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação, considerou que “não existe educação e ciência sem ética”. Na sua avaliação, o Brasil está avançando nesse sentido, com seu Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (2024-2028), que recebe investimentos superiores a R$ 3 bilhões da educação básica à pós-graduação e deverá viabilizar a abertura de 5 mil novas vagas de graduação sobre a temática, entre outras ações.
O reitor da UniRio, José da Costa Filho, defendeu a política de inclusão, permanência e tutoria sobre as novas tecnologias como problema nuclear das universidades públicas brasileiras, considerando a entrada das pessoas indígenas, quilombolas e com deficiência nas instituições.
A questão da ética, na avaliação do reitor da Universidade de Lisboa, Luís Manuel dos Anjos Ferreira, “é o coração da IA”. É pela ética que será possível a inclusão em contraposição à criação de muros e mais desigualdades sociais. E acrescentou: “O futuro das universidades começa hoje. Só depende de criarmos currículos que tenham esse cuidado com uma formação humana, compassiva e que reafirme que só nós, os seres humanos, podemos imaginar, compreender e sentir. A inteligência artificial sabe dar muitas respostas, mas nenhuma máquina pode substituir a curiosidade, a dúvida, a inteligência humana. É por isso que estamos aqui: três países, três histórias, três culturas unidas por uma palavra, educação”.
A reitora Sandra Goulart Almeida, referindo-se ao contexto do evento, em que o Grupo Tordesilhas celebra 25 anos de fundação e no momento em que o Brasil sedia a Cop30, citou Ailton Krenak para reiterar “a importância de formarmos um mutirão para pensar o futuro a partir do presente, conscientes sobre as consequências das escolhas que fizermos”.
Ela pontuou os desafios desse presente, que devem ser enfrentados com aceitação das diferenças linguísticas, étnicas e raciais, por meio de atividades colaborativas e compromissadas com um mundo mais justo e unido.
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