Diretor da Unesco propõe que universidades enxerguem além de seus muros
Em conversa mediada por Dawisson Lopes na cúpula da educação superior, Francesc Pedrò disse que colaboração entre instituições da América Latina e do Caribe é caminho para a mudança social
Por Luana Macieira
As universidades latino-americanas têm sido reconhecidas como núcleos sociais das comunidades, com papel fundamental na preservação da herança cultural, no avanço do conhecimento e na promoção de movimentos sociais. No entanto, na era moderna, sua credibilidade tem sido colocada à prova por desafios do mundo digital, por cenários políticos em constante transformação e pelas desigualdades no acesso à educação.
Para debater esses assuntos, a programação da Latin America Universities Summit – reunião de cúpula promovida anualmente pela Times Higher Education (THE) –, que ocorre nesta semana na UFMG, incluiu a mesa Universidades como centros confiáveis do conhecimento. Mediada pelo diretor do Escritório de Governança de Dados Institucionais da UFMG, Dawisson Belém Lopes, a mesa teve a participação de Francesc Pedrò, diretor do Instituto Internacional de Educação Superior da Unesco para América Latina e Caribe (Iesalc).
A conversa teve início com o questionamento de Dawisson a Pedrò sobre os métodos que devem ser utilizados pelas instituições de ensino superior da América Latina e do Caribe para lidar com os ataques à ciência e ao conhecimento. O convidado abriu sua fala destacando o compromisso das universidades para se adaptar às novas demandas e criar estratégias capazes de gerar impactos sociais.
Na visão do diretor da Unesco, as instituições do Sul global sofrem várias influências das instituições do Norte. Uma delas, citou o convidado, está relacionada à meritocracia que, segundo ele, deveria ser vista de forma diferente, uma vez que nem todas as pessoas conseguem acessar o ensino superior nos países do Sul. “Isso comprova a necessidade de que as universidades se tornem agentes de compromisso social com a clara missão de ajudar no ingresso de mais estudantes”, disse.
Pedrò acrescentou que as universidades até podem proteger a qualidade de seu ensino por meio do filtro e da seleção de quem ingressa nelas, mas é importante que as instituições também enxerguem para fora de seus muros, procurando os estudantes e indo até eles, de forma a possibilitar o ingresso. “Estive em uma universidade na Guatemala no mês passado, e o lema deles é ‘vá e ensine a todos’. Para mim, está claro que esse lema deveria fazer parte do que todas as instituições de ensino superior almejam. Ele deveria nortear todos que desejam a mudança social.”
O contexto é outro
Dawisson e Pedrò também destacaram que a colaboração entre as instituições de ensino superior da América Latina e do Caribe pode ser um caminho para a transformação social. O diretor da Unesco pontuou que há desafios nesse sentido porque as universidades do Sul global são muito diversas, o que impossibilita que as mesmas estratégias sejam aplicadas por todas. “Porém, apesar da diversidade, devemos construir e compartilhar os desafios, independentemente do país onde a universidade está sediada. Podemos nos inspirar no Norte global, mas sem esquecer que aqui o contexto é outro”, disse.
Outra questão abordada na mesa foi a mobilidade estudantil entre os países, que pode ser vista como uma ferramenta de transformação positiva no ensino. Pedrò disse que a mobilidade é importante para a internacionalização das instituições, mas ela deve ser feita com foco não só no ensino, mas também na pesquisa. “Dados mostram que apenas 1% dos estudantes do sul realizam mobilidade acadêmica, então é necessário aumentar este número”, recomendou.
Sustentabilidade e informação
Ao fim da conversa, Dawisson Lopes questionou o convidado sobre como a falta de recursos do Sul global aumenta os desafios da região para enfrentar o futuro, que será marcado pela crise climática e pelo colonialismo digital. Francesc Pedrò respondeu que as instituições de ensino da América Latina e do Caribe são exemplos de que, em áreas rurais, as universidades costumam ter mais comprometimento com a sustentabilidade, “o que mostra a necessidade de que, aqui, as instituições trabalhem junto às comunidades locais para buscar uma atuação mais sustentável”.
A produção e a disseminação de informações e de conhecimento também foram abordadas pelo convidado. Para Pedrò, o termo repositório precisa ser substituído por fonte, pois as universidades não têm a responsabilidade apenas de fazer a curadoria do conhecimento, mas também de disseminá-lo. “Não estou falando de publicações científicas, mas de produzir mensagens para que a comunidade onde a instituição está inserida saiba o que ela produz e como atua. Isso seria uma mudança disruptiva”, disse.
Francesc Pedrò concluiu sua exposição fazendo uma distinção entre universidades e criadores de informação. Segundo eles, as primeiras precisam investir em produção de informação de qualidade, além da checagem das mesmas. “As universidades devem checar, confirmar e negar o que é dito nas redes sociais, sempre baseadas em evidências. Assim, elas serão capazes de promover o debate acerca de políticas públicas e, consequentemente, gerar transformação.”
A cúpula
O evento, que segue até amanhã (quinta, 10), ocorre pela primeira vez em território brasileiro, reunindo cerca de 250 delegados institucionais de universidades e centros de pesquisa de todo o mundo. Esta edição conta com representantes de 22 países – África do Sul, Argentina, Brasil, Canadá, Chile, China, Colômbia, Equador, Estados Unidos, Índia, Jamaica, México, Nigéria, Panamá, Paraguai, Peru, Reino Unido, República Democrática do Congo, Rússia, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela – e cerca de 60 reitores, vice-reitores e pró-reitores de universidades de destaque na América Latina e em outros continentes.
Criada em 2016, a cúpula latino-americana da THE já passou por instituições como a Pontifícia Universidad Católica de Chile, a Universidad del Rosario, na Colômbia, o Tecnológico de Monterrey, no México, a Universidad Técnica Particular de Loja, no Equador, além da Universidade de São Paulo (USP) – que sediou a edição de 2021 em modo remoto, por conta da pandemia.
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