Custo dos alimentos restringe consumo de dietas saudáveis pela população mais vulnerável
Tese da Medicina defende que alimentação que faz bem à saúde e é ambientalmente sustentável tem custo elevado pelas consequências das mudanças climáticas
Por Centro de Comunicação da Faculdade de Medicina
Os preços dos alimentos saudáveis dificultam a opção por essa dieta, especialmente no caso das populações mais vulneráveis. E diversos fatores, como as mudanças climáticas, podem afetar os valores e diminuir o consumo desses alimentos.
“A seca ou até chuva em excesso causam problemas na produção, afetam a distribuição e os alimentos não chegam ao consumidor, ou chegam com preços muito mais alto”, afirma a pesquisadora Thaís Cristina Marquezine Caldeira, autora de tese recém-defendida no Programa de Pós-graduação em Saúde Pública.
O estudo utilizou dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017/18, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A POF é uma pesquisa periódica e transversal que avalia o consumo, os gastos e a renda das famílias, fornecendo informações sobre as condições de vida da população brasileira.
Foram analisadas dietas baseadas no consumo atual da população, dietas baseadas nas recomendações do Guia Alimentar para a população brasileira (GAPB) e dietas baseadas nas recomendações do EAT-Lancet. Notou-se que grãos e vegetais ricos em amido (25,4%), alimentos ultraprocessados (22,5%), alimentos proteicos – como aves, frutos do mar, ovos, leguminosas e oleaginosas – (13,8%) e carne vermelha (10,5%) representam aproximadamente 70% das calorias na dieta atual.
Um dos estudos mencionados na tese mostra que famílias de baixa renda, especialmente em áreas rurais e em regiões menos desenvolvidas do país, enfrentam barreiras financeiras significativas para adotar dietas mais saudáveis, como as recomendadas pela Comissão EAT-Lancet. Esses desafios são agravados pelo aumento do custo dos alimentos minimamente processados e frescos, pela crescente dependência de produtos ultraprocessados e pela distribuição desigual de recursos entre as regiões.
A pesquisa identificou que o custo médio da dieta foi de R$0,65/100 kcal para a população total, com variações observadas entre os níveis de renda, regiões geográficas e áreas domiciliares. Um custo menor foi observado no território de menor renda (R$0,60/100 kcal) em comparação com o território de maior renda (R$0,70/100 kcal).
Na comparação por regiões, o Nordeste apresentou o menor custo (R$0,58/100 kcal) em comparação com o Sudeste (R$0,71/100 kcal), e nas áreas rurais o custo foi mais baixo (R$0,53/100 kcal) do que as áreas urbanas (R$0,69/100 kcal).
Insegurança alimentar
Dietas saudáveis e sustentáveis são aquelas adequadas para o corpo e para o planeta. Elas são baseadas no consumo de frutas, hortaliças e alimentos de origem vegetal, como grãos e leguminosas, e na redução do consumo de alimentos ultraprocessados.
De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), os preços globais dos alimentos aumentaram 11% em 2022, tornando uma dieta saudável inacessível para 2,83 bilhões de pessoas.
Graduada em Nutrição, mestra e doutora em Saúde Pública pela UFMG, Thaís Caldeira ressalta que, no Brasil, o alto custo da dieta EAT-Lancet em comparação com dietas típicas cria desafios substanciais para sua adoção, especialmente entre famílias de baixa renda. O aumento dos preços dos alimentos frescos e minimamente processados dificulta o consumo, o que evidencia a interseção entre a insegurança alimentar global e as disparidades socioeconômicas locais.
O custo da dieta está diretamente relacionado à sua composição. Dietas de menor custo tendem a incluir menos carnes, laticínios, hortaliças e frutas, e os preços mais altos tornam esses itens inacessíveis para grupos de baixa renda. Eleva-se então o consumo de carne vermelha, açúcar e alimentos ultraprocessados.
Thaís Caldeira: consumo diário de alimentos de origem vegetal fornece nutrientes e vitaminas e previne doenças
Impacto no meio ambiente
A tese ressalta que a produção de alimentos é responsável hoje por até 35% das emissões globais de gases de efeito estufa e impacta diretamente a biodiversidade e o uso da água. E mudanças no padrão alimentar, como o aumento no consumo de ultraprocessados e proteínas animais, elevam esse impacto, especialmente em países de baixa e média renda.
A fabricação de alimentos ultraprocessados envolve processos industriais intensivos, que consomem muita energia e recursos naturais, e ingredientes comumente utilizados nesses alimentos, como milho, soja e cana de açúcar, estão associados ao desmatamento e à perda de biodiversidade. “Muitas vezes, esses alimentos dependem de embalagens plásticas e outros materiais que demandam energia para produção e descarte. O transporte desses produtos, muitas vezes por longas distâncias, também contribui para as emissões”, comenta a pesquisadora.
No que se refere à produção de proteínas animais, é preciso ter em conta que a pecuária é uma das maiores fontes de emissões de gases de efeito estufa, especialmente o metano, liberado durante a digestão dos ruminantes, como os bovinos. Além disso, a criação de animais requer grandes áreas de terra para pastagem e cultivo de grãos para a ração, o que frequentemente leva ao desmatamento. Para Thaís, “quando temos esses fatores combinados, temos um grande desafio para a sustentabilidade ambiental”.
Alimentos saudáveis x ultraprocessados
O consumo diário de frutas, hortaliças, grãos e leguminosas gera diversos benefícios para a saúde, como o aumento de nutrientes e vitaminas no organismo, o auxílio direto na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e a melhora geral na qualidade de vida, segundo Thaís Caldeira.
Apesar disso, tem crescido o consumo de alimentos ultraprocessados, que, quando consumidos em excesso, contribuem para problemas como a obesidade. Estudos mostram também que o consumo excessivo de carnes vermelhas pode levar ao aumento do colesterol e até a maior chance de desenvolver doenças como câncer.
“Quando consumidos em excesso, alimentos ultraprocessados, como os refrigerantes e salgadinhos, estão associados a maior quantidade de calorias vazias, porque eles têm alta concentração calórica e pouquíssimos nutrientes. A gente diz que é um consumo sem necessidade, porque não nutre o corpo, cria uma saciedade momentânea, que rapidamente é perdida”, pontua Thaís Caldeira.
Políticas públicas de saúde
Destacar as possíveis conexões entre saúde, sustentabilidade e economia, segundo a pesquisadora, possibilita contribuir para o debate contínuo sobre a construção de sistemas alimentares mais responsáveis e resilientes. Thaís defende a implementação de políticas públicas que incentivem a saúde e a sustentabilidade da alimentação no Brasil. Uma política essencial já em vigor é a obrigatória rotulagem de advertência em alimentos processados. Esforços adicionais, como a oferta de incentivos fiscais para alimentos saudáveis simultaneamente à taxação de produtos não saudáveis, poderiam promover uma dieta mais saudável, sustentável e justa para a população brasileira.
“Acho que parte principalmente do poder público, da política, fazer uma mudança nesse cenário do preço dos alimentos para que todos possam ter acesso a eles. Hoje é muito difícil consumir frutas e hortaliças, que pesam muito no bolso da população”, conclui Thaís Caldeira.
Tese: Custo de dietas saudáveis e sustentáveis no Brasil
Autora: Thaís Cristina Marquezine Caldeira
Orientadora: Rafael Moreira Claro
Programa: Pós-graduação em Saúde Pública
Defesa: 23 de janeiro de 2025
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