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Metáforas reforçam preconceito racial

 

Dissertação lista expressões negativas sobre o negro publicadas em jornais brasileiros

Alexandra Leite

 

p.gif (1117 bytes)ara justificar que não é uma dondoca, a socialite Carmem Mayrink Veiga afirmou, em entrevista recente, que sempre trabalhou "como uma negra". Esta afirmação é mais um exemplo do preconceito racial contido em expressões do cotidiano, segundo os trabalhos da mestre em Estudos Linguísticos pela UFMG, Maria Edna Menezes.
Em sua dissertação Reflexos negros - a imagem social do negro através das metáforas, Maria Edna observa que muitas expressões relativas ao negro usadas na linguagem cotidiana são pejorativas, como provérbios, poemas, músicas e narrativas folclóricas. "Implicitamente, essas expressões reproduzem a idéia da pretensa inferioridade da raça negra", ressalta ela. A pesquisadora coletou dados nos textos do jornal Folha de São Paulo nos anos de 95 e 96. Depois selecionou as metáforas com maior número de ocorrência (veja box).
A pesquisadora trata a metáfora não como simples comparação, mas como representação de experiências vividas. Ela afirma que o preto é conceituado como contracor do branco e, por representar a oposição a todas as cores, sempre foi associado às trevas primordiais. "No Brasil, sempre se privilegiou os valores "brancos" através de um processo sistemático de inculcação da negatividade simbolizada pelo negro".
Segundo a pesquisadora, os próprios negros reproduzem as metáforas negativas, ao disseminar expressões como "Não faça trabalho de negro", "A coisa está preta", "Ele é um negro de alma branca". Ela conta que na escola onde leciona Português, na periferia de Belo Horizonte, as crianças não queriam fazer o papel do Saci Pererê numa peça de teatro: "Eles mesmos têm preconceitos, pois, principalmente através da TV, só consomem valores que priorizam os brancos."

 

Palavras que carregam preconceitos

câmbio negro: comércio ou transação ilegal

mercado negro: comércio ilegal

prejuízo preto: prejuízo imenso

caixa-preta: falta de transparência

lista negra: relação de coisas ou pessoas consideradas prejudiciais

humor negro: humor que choca pelo uso de elementos mórbidos ou macabros

magia negra: bruxaria

peste negra: doença que assolou a Europa na Idade Média

ovelha negra: pessoa ou entidade que se destaca pelo mau procedimento

besta negra: inimigo, problema de difícil solução

asa negra: pessoa que prejudica ou embaraça um grupo com freqüência

 

Livro analisa expressões metafóricas

 

A análise do discurso é a ferramenta teórica usada na construção do livro Metáforas do Cotidiano, organizado pela professora Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva, que também orientou a dissertação da pesquisadora Maria Edna Menezes.
Lançada no último dia 22, a obra é uma publicação do Programa em Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras e reúne doze artigos sobre metáforas, escritos por professores e pós-graduandos da UFMG, além de autoras da Universidade Federal de Goiás e Mara Zanotto, da USP.
A primeira parte do livro, composta de seis artigos, faz uma abordagem conceitual da metáfora, englobando os trabalhos de Lakoff, que privilegiam as experiências das pessoas. Cristina Dalacorte escreve sobre metáforas convencionais de uma mesma língua, usadas por falantes de línguas diferentes.
Metáforas que nos Fazem Rir, Metáforas Negras e Metáfora - Metonímia e Discurso Político são alguns dos artigos da segunda parte do livro. No primeiro texto, Maralice Neves fez um estudo sobre o programa Sai de Baixo, observando como as metáforas do cotidiano são usadas para a produção do humor, geralmente com conotação sexual. Em Metáforas Negras, Vera Menezes demonstra que o preconceito racial está presente em várias expressões corriqueiras. E em Metáfora - Metonímia e Discurso Político, Paulo Mendes mostra como a frase O governo é o Real/O Real é o governo está impregnada no imaginário político brasileiro. (A.L.)