os últimos dois
anos, a UFMG teve sua graduação e pós-graduação avaliadas como as melhores do país.
Isso pressupõe riscos. Se pretende ser grande, a UFMG deve assumir tal ônus, não se
deixando amesquinhar pelas enormes pressões que sofre, a exemplo das demais
instituições públicas de ensino superior.
Pensar grande é resistir ao avilta-mento que nos tem sido imposto. Significa pensar com a
poesia, a energia e a nobreza dignas de um espírito que se quer público e responsável
não apenas por progressos técnicos e riquezas orçamentárias mas, sobretudo, por marcas
simbólicas, culturais, filosóficas e artísticas que deixaremos aos que nos sucederão.
No momento em que a escassez é proposta, devemos apostar, por exemplo, na instalação do
Centro e Escola de Artes Performáticas, na criação de novos cursos, na
flexibilização, na autonomia e na montagem do Instituto de Altos Estudos.
Para ser grande é preciso ser inteiro, como orienta Fernando Pessoa. O discurso da
escassez nos solicita fragmentar e dividir. É preciso ver o todo, ser todo em cada coisa
e pôr o quanto somos no mínimo que fazemos. É assim que, em cada lago, como diz o
poeta, a lua toda brilha. Brilha porque alta vive. E é essa altivez que a UFMG está a
ponto de alcançar.
Estão aí as propostas de privatização de nossas universidades e os profundos cortes
financeiros e humanos; está aí o julgamento de nossas instituições públicas com base
em critérios de eficiência, quantificação e produtividade. Eles são da órbita do
privado e pouco servem a uma universidade que pretende ter como parâmetros a
significação pública e social dos trabalhos por ela produzidos e a qualidade dos
cidadãos que nela se formam.
Esse trabalho não é quantificável pelos números registrados nos relatórios ou pela
quantidade de recursos que entram ou de alunos que saem. Esgotar a avaliação de nossas
universidades em critérios quantitativos de eficiência é assinar-lhes o atestado de
óbito enquanto instituição pública. É privatizá-las de antemão. Esse projeto de
privatização é alimentado não apenas por agentes externos, mas por setores da
Universidade que confundem excelência acadêmica com êxito em vender projetos, em
complementar salários e fazer da academia mero instrumento para a obtenção de vantagens
pessoais.
Mais do que técnicos capazes de oferecer mão-de-obra ao mercado, a universidade pública
é o lugar da pesquisa de diretrizes capazes de criar uma vida melhor e mais feliz. Isto a
distingue das instituições privadas. Mas é a pesquisa a área mais ameaçada num
contexto de globalização da economia em que se acredita poder comprar tudo. Menos uma
coisa, a "autarquéia": a própria soberania do saber, a capacidade de construir
o país que queremos e não aquele que os outros demandam. Para isso serve a pesquisa. Uma
pesquisa que vai além daquela registrada nos anais e relatórios.
Tenho a certeza de que a grandeza da UFMG se situa nas franjas desses parâmetros
oficiais, seja através da formação dos docentes dispersos nas escolas de todo o país,
dos artistas que se destacam mundo afora ou dos pesquisadores que viraram referência
nacional e mundial. Diante da proliferação das escolas particulares, cumpre à nossa
universidade aprofundar o intercâmbio com esses estabelecimentos e assumir, sem timidez,
o seu papel primaz na configuração, geração e transmissão do saber.
Não basta ao pesquisador fazer-se professor. Ele deve ser educador. Professor é
profissão, é função. De nossos docentes espera-se que leve o educando a conquistar uma
"autarquéia" dentro de si próprio, tal como à semente se conquista flor.
"Educação" vem do latim educere: conduzir para fora ou, em outros
termos, fazer florir a semente. O papel do educador é levar o educando ao encontro deste
projeto pessoal. Esse é o valor maior da proposta de flexibilidade curricular, que embute
a idéia de que educar é renascer sempre, pois "aprender a ser" é tarefa
interminável.
O ciclo acadêmico é similar ao procedimento do agricultor: semear, cultivar e colher
para semear de novo; pesquisar, ensinar e estender para pesquisar de novo. Diversos
setores e atividades não se relacionam diretamente com a colheita, atendo-se às etapas
da semeadura e do cultivo, sem as quais aquela não se dá. É preciso que todos os
recursos advindos da extensão retornem à pesquisa e ensino, fazendo a universidade
funcionar como um todo.
A humanidade viveu e sobreviveu sem instituições de aprendizado. Mas o ethos
tecnocrático das sociedades modernas tem escolarizado a vida numa tentativa de fazê-la
controlada por especialistas e instrumentalizada para reproduzir privilégios. Não é
este o caso da nossa Universidade. É na Academia atual que sobejam a universalidade, a
pluralidade e a ousadia. Ela é o espaço capaz de acolher as sementes, reuni-las e
relançá-las ao campo para contrapor-se a uma cultura globalizada e passiva.
É preciso valorizar a Universidade enquanto espaço que preserva tal liberdade e cuidar
para que não naufrague na fossilização de um saber que recuse o que se aprende fora
dela. É função do educador transformar cada instante em momento de aprendizado e
participação. E esse processo começa na própria universidade.
* Diretor
da Escola de Arquitetura |