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A UFMG como poema e como luar

Carlos Antônio Leite Brandão*

 

N2.jpg (2494 bytes)os últimos dois anos, a UFMG teve sua graduação e pós-graduação avaliadas como as melhores do país. Isso pressupõe riscos. Se pretende ser grande, a UFMG deve assumir tal ônus, não se deixando amesquinhar pelas enormes pressões que sofre, a exemplo das demais instituições públicas de ensino superior.
Pensar grande é resistir ao avilta-mento que nos tem sido imposto. Significa pensar com a poesia, a energia e a nobreza dignas de um espírito que se quer público e responsável não apenas por progressos técnicos e riquezas orçamentárias mas, sobretudo, por marcas simbólicas, culturais, filosóficas e artísticas que deixaremos aos que nos sucederão. No momento em que a escassez é proposta, devemos apostar, por exemplo, na instalação do Centro e Escola de Artes Performáticas, na criação de novos cursos, na flexibilização, na autonomia e na montagem do Instituto de Altos Estudos.
Para ser grande é preciso ser inteiro, como orienta Fernando Pessoa. O discurso da escassez nos solicita fragmentar e dividir. É preciso ver o todo, ser todo em cada coisa e pôr o quanto somos no mínimo que fazemos. É assim que, em cada lago, como diz o poeta, a lua toda brilha. Brilha porque alta vive. E é essa altivez que a UFMG está a ponto de alcançar.
Estão aí as propostas de privatização de nossas universidades e os profundos cortes financeiros e humanos; está aí o julgamento de nossas instituições públicas com base em critérios de eficiência, quantificação e produtividade. Eles são da órbita do privado e pouco servem a uma universidade que pretende ter como parâmetros a significação pública e social dos trabalhos por ela produzidos e a qualidade dos cidadãos que nela se formam.
Esse trabalho não é quantificável pelos números registrados nos relatórios ou pela quantidade de recursos que entram ou de alunos que saem. Esgotar a avaliação de nossas universidades em critérios quantitativos de eficiência é assinar-lhes o atestado de óbito enquanto instituição pública. É privatizá-las de antemão. Esse projeto de privatização é alimentado não apenas por agentes externos, mas por setores da Universidade que confundem excelência acadêmica com êxito em vender projetos, em complementar salários e fazer da academia mero instrumento para a obtenção de vantagens pessoais.
Mais do que técnicos capazes de oferecer mão-de-obra ao mercado, a universidade pública é o lugar da pesquisa de diretrizes capazes de criar uma vida melhor e mais feliz. Isto a distingue das instituições privadas. Mas é a pesquisa a área mais ameaçada num contexto de globalização da economia em que se acredita poder comprar tudo. Menos uma coisa, a "autarquéia": a própria soberania do saber, a capacidade de construir o país que queremos e não aquele que os outros demandam. Para isso serve a pesquisa. Uma pesquisa que vai além daquela registrada nos anais e relatórios.
Tenho a certeza de que a grandeza da UFMG se situa nas franjas desses parâmetros oficiais, seja através da formação dos docentes dispersos nas escolas de todo o país, dos artistas que se destacam mundo afora ou dos pesquisadores que viraram referência nacional e mundial. Diante da proliferação das escolas particulares, cumpre à nossa universidade aprofundar o intercâmbio com esses estabelecimentos e assumir, sem timidez, o seu papel primaz na configuração, geração e transmissão do saber.
Não basta ao pesquisador fazer-se professor. Ele deve ser educador. Professor é profissão, é função. De nossos docentes espera-se que leve o educando a conquistar uma "autarquéia" dentro de si próprio, tal como à semente se conquista flor. "Educação" vem do latim educere: conduzir para fora ou, em outros termos, fazer florir a semente. O papel do educador é levar o educando ao encontro deste projeto pessoal. Esse é o valor maior da proposta de flexibilidade curricular, que embute a idéia de que educar é renascer sempre, pois "aprender a ser" é tarefa interminável.
O ciclo acadêmico é similar ao procedimento do agricultor: semear, cultivar e colher para semear de novo; pesquisar, ensinar e estender para pesquisar de novo. Diversos setores e atividades não se relacionam diretamente com a colheita, atendo-se às etapas da semeadura e do cultivo, sem as quais aquela não se dá. É preciso que todos os recursos advindos da extensão retornem à pesquisa e ensino, fazendo a universidade funcionar como um todo.
A humanidade viveu e sobreviveu sem instituições de aprendizado. Mas o ethos tecnocrático das sociedades modernas tem escolarizado a vida numa tentativa de fazê-la controlada por especialistas e instrumentalizada para reproduzir privilégios. Não é este o caso da nossa Universidade. É na Academia atual que sobejam a universalidade, a pluralidade e a ousadia. Ela é o espaço capaz de acolher as sementes, reuni-las e relançá-las ao campo para contrapor-se a uma cultura globalizada e passiva.
É preciso valorizar a Universidade enquanto espaço que preserva tal liberdade e cuidar para que não naufrague na fossilização de um saber que recuse o que se aprende fora dela. É função do educador transformar cada instante em momento de aprendizado e participação. E esse processo começa na própria universidade.

* Diretor da Escola de Arquitetura