outor Honoris Causa em 14 universidades do Brasil e do mundo,
ganhador do Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud, tido como o Nobel da
área, o geógrafo Milton de Almeida Santos não se conforma com a supervalorização que
a humanidade dá à tecnologia. "As pessoas têm atribuído vida à técnica, mas as
coisas não nos comandam, apenas comandam", defende, com ênfase. Autor de mais de 40
livros e 300 artigos em revistas científicas de vários países, o professor esteve este
mês na UFMG, convidado para ministrar a aula inaugural da Escola de Engenharia, no
auditório da Reitoria. Em seguida, Milton Santos concedeu a seguinte entrevista ao
BOLETIM:
BOLETIM - O
senhor tem feito severas críticas à globalização. Como a conceituaria?
Milton Santos - A globalização, parafraseando o
compositor Lenine, é a face suprema do imperialismo. A humanidade esperou milênios para
se globa-lizar, o que não aconteceu antes porque não havia as condições materiais
necessárias. Com o aumento da produção e o desenvolvimento de técnicas avançadas, um
pequeno grupo de empresas as seqüestrou. As grandes corporações usam estes recursos
extraordinários em seu próprio benefício e em prejuízo da humanidade.
B - O
acirramento da crise brasileira pode tornar a população mais consciente da realidade?
MS - Isso já está acontecendo. Há uma sede muito
grande de entender. É o que vejo sobretudo entre os jovens. Os interesses da classe
média, por exemplo, não coincidem mais com a globalização e com as ações dos
partidos. Ela já não se reconhece nem mesmo na ação das facções progressistas. Se a
classe média não se vê nos partidos, as coisas ficam sem estruturação. E por que não
acreditar que os partidos podem mudar, para serem capazes de acolher os anseios da
sociedade?
B - Qual o
papel da Universidade nesse contexto?
MS - A Universidade é importante na medida em que é
capaz de codificar e entregar à sociedade o discurso que as pessoas desejam, necessitam.
É preciso produzir algo que seja crível, audível, utilizável e eficaz politicamente.
B - O senhor
diz que passamos por um período em que só as grandes corpora-ções fazem política. E o
que realizam os políticos atualmente?
MS - O que falta aos políticos de hoje é a
contribuição dos intelectuais. Não estamos oferecerendo um conjunto de idéias a eles.
B - Como o
senhor analisa a utilização de tecnologias e meios de comunicação na atualidade?
MS - Quando eu falo meio, estou me referindo a
território. E acho que o território é a mensagem. Nele, estamos todos juntos e
separados. Somos conduzidos igualmente a um destino e obtemos resultados diferentes. Em
Belo Horizonte, por exemplo, estão todos juntos: ricos, pobres, classe média, brancos,
negros, índios. A técnica em si não é a mensagem. Ela só é utilizada por quem tem
poder: as grandes agências de notícias, universidades, editoras e as igrejas globais.
São essas instituições que seqüestram os meios.
B - Como o
senhor analisa a excessiva difusão de informações?
MS - Não há produção excessiva de informação,
mas de ruído. Existem os fatos. As notícias são interpretação deles. Como as
agências de notícias pertencem às grandes empresas, os acontecimentos são analisados
de acordo com interesses predeterminados. Muitos economistas que escrevem em jornais, por
exemplo, publicam diariamente o desejo de empresas das quais são consultores. As
notícias são publicadas como expressão da realidade e o discurso acaba se tornando
hegemônico. É essa mesma indústria que transforma em best seller um livro do Jô
Soares, antes mesmo do lançamento. E aí de novo eu convoco a Universidade, como espaço
alternativo para difundir nossas idéias. A palavra é uma paulada. Eu venho até a UFMG,
falo para 200 pessoas e o resultado é formidável.
B - Como
viver no mundo da pressa e criticá-lo ao mesmo tempo?
MS - O que se pode fazer é viver apressado, para
garantir a subsistência, mas sem perder de vista a construção de um sonho. É o sonho
que obriga o homem a pensar.
B - O homem
de hoje é um ser ético?
MS - O ser humano agora é convocado a não ser
ético. E às vezes as pessoas seguem essa tendência porque precisam sobreviver, criar os
filhos, sustentar a família. Mas, no fundo, todos guardam a consciência do que é bom,
com a esperança de utilizá-la um dia. |