entrevista2.jpg (6427 bytes)/ Júlio Varella

Festival é referência para a cultura nacional

Marco Antônio Corteleti

oucas pessoas conhecem a história do Festival de Inverno da UFMG como o produtor cultural Júlio Varella. Nas diferentes funções que assumiu, como coordenador de programação cultural, secretário e diretor executivo, ele trabalhou ativamente em 25 edições seguidas do evento - desde a primeira, realizada em 1967, até a de 1993, que marcou a volta do Festival a Ouro Preto, depois de longo período de itinerância. Nesta entrevista ao BOLETIM, Varella relembra os primórdios do Festival de Inverno, as razões do abandono temporário de Ouro Preto e a importância do evento para o aparecimento de grupos de ponta da cultura nacional, como o Corpo e o Galpão.

 

BOLETIM - Como nasceu o Festival de Inverno?

Júlio Varella - O Festival foi concebido por Haroldo Matos, da Escola de Belas Artes, e por Berenice Menegale e Maria Clara Dias Paes, ambas da Fundação de Educação Artística. Eles foram a Ouro Preto buscar apoio para realizar um curso de férias mais intensivo e com maior gama de atividades. Assim nasceu o Festival de Inverno que, em sua primeira edição, em 1967, teve cursos apenas nas áreas de Música e Artes Plásticas. Lembro-me bem que foi um evento de efervescência fantástica.

B - Como foi a experiência de organizar o Festival em plena ditadura?

JV - Foi um período de forte repressão. Camburões e cães cercavam a Praça Tiradentes porque as autoridades da época achavam que iríamos destruir a cidade. Um padre subiu ao púlpito para dizer que Ouro Preto sediava não o Festival de Inverno, mas um festival do inferno. Apesar disso, tivemos momentos emocionantes, graças à garra dos professores e dos alunos que participavam naquela época.

B - Quem participava das primeiras edições do Festival?

JV - Quando começou, ele era muito procurado por pessoas iniciadas em arte de todo o Brasil e até do exterior. Recebemos muitos estrangeiros nas primeiras edições, através de convênios com universidades americanas. Na terceira e quarta edições tivemos cursos de música, teatro, dança, arquitetura e literatura. Os espetáculos também atraíam muita gente, porque o Festival sempre exibiu o que havia de mais interessante no Brasil e até no exterior. Em meados da década de 70, o evento alcançou uma dimensão tal que extrapolou os limites de Ouro Preto e chegou a outras 16 cidades por meio de cursos volantes.

B - Muitos grupos famosos começaram no Festival...

JV - Sim. O Corpo, o Galpão, o Uakti. O Giramundo, sem o apoio do Festival, não seria o que é hoje, e o Ars Nova recebeu um estímulo muito grande do evento.

B - Como o Corpo e o Galpão surgiram?

JV - Com o Corpo aconteceu o seguinte: a coordenadora da área de dança, Marilene Martins, e eu fomos a Buenos Aires convidar o coreógrafo Oscar Arraes para participar do Festival de Inverno. Ele topou e já em 1975 o Corpo foi criado e apresentou uma coreografia de sua autoria. A história do Galpão começou quando o Instituto Goethe enviou dois professores alemães de técnicas de teatro circense para trabalhar no Festival. Os professores deram o curso e daí surgiu o Galpão. Com eles, os integrantes do grupo aprenderam várias técnicas do teatro de rua.

B - O que determinou a saída do Festival de Ouro Preto em 1979?

JV - Naquele ano, houve uma superlotação na cidade, o que levou a própria comunidade e o então secretário municipal de Cultura, Ângelo Osvaldo (hoje secretário de Estado da Cultura) a pedirem a saída do Festival de Ouro Preto. Foi um ano tumultuado pois, além do Festival de Inverno, a Ufop resolveu realizar o seu vestibular também em julho e recebeu seis mil inscrições. Resultado: ninguém conseguia transitar nas ruas, a cidade ficou abarrotada, a comida acabou, foi um caos. No final do ano, o secretário de Estado da Cultura, Wilson Chaves sugeriu que o Festival se tornasse itinerante. Mas não houve consenso e a edição de 1980 foi suspensa por falta de lugar adequado. No ano seguinte, o Festival foi para Diamantina, cidade que o acolheu também em 82, 83 e 85. Em 1984, o Festival não foi realizado por causa de uma greve na UFMG. Em 1993 voltou para Ouro Preto, onde comemorou 25 anos.

B - O Festival da UFMG se inspirou em outros festivais nacionais ou estrangeiros?

JV - No Brasil já havia alguns festivais, como o de Petrópolis e o de Curitiba. Mas esse modelo de festival plural, com muitas áreas, foi concebido aqui na UFMG, porque os outros, na época, abrangiam uma só área, música ou teatro. Pouco depois da criação do nosso Festival, nasceram o de Campos do Jordão e, em seguida, um em Santa Catarina e outro na Paraíba, inspirados na nossa experiência. O Festival de Inverno da UFMG se tornou, então, uma referência. Vários alunos que participaram do Festival de Inverno são hoje grandes mestres nas artes plásticas, no teatro e na música.

B - Quais eram as dificuldades de organização que vocês encontravam nos primeiros tempos do Festival?

JV - No começo tudo era muito difícil porque a população de Ouro Preto considerava o Festival uma invasão. Tivemos que desenvolver um jogo de cintura imenso para contornar essa resistência. Por outro lado, o Festival deu tão certo em Ouro Preto que os comerciantes queriam mantê-lo na cidade a todo custo. Em meados dos anos 70, um levantamento feito pela Prefeitura comprovou que o ICMS de julho foi maior que os dos outros 11 meses. Quando o Festival deixou a cidade, a gritaria dos comerciantes foi geral.