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Dedicação exclusiva: punição ou recompensa?

José Luiz Quadros de Magalhães *

 

O2.jpg (2499 bytes)regime de dedicação exclusiva é objeto de uma discussão de longa data na Universidade. A antiga e bastante razoável reivindicação do curso de Direito pela admissibilidade de um regime de 40 horas sem dedicação exclusiva não vem sendo atendida. Há, inclusive, a tese da inconstitucionalidade deste regime, incompatível com a liberdade de trabalho constitucional: como pode o Estado proibir a pessoa de utilizar o seu tempo livre além das 40 horas semanais como bem entender, inclusive trabalhando e produzindo? Parece que a dedicação exclusiva tornou-se uma pena imposta ao professor e não uma recompensa, pois, ou o professor aceita o regime de 40 horas com dedicação exclusiva ou é obrigado a trabalhar em regime de vinte horas recebendo uma remuneração ultrajante. E acrescente-se que, se é exigida exclusividade do professor para aquela instituição, que se pague muito bem por ela. Vender a liberdade deveria pelo menos recompensar financeiramente. Mas pode o Estado controlar o tempo livre do seu servidor?

Esta discussão antiga, tratada de maneira uniformizadora e, logo, incorreta e injusta, pois ignora a grande variedade de realidades da Universidade, deve agora ser retomada de maneira realista e responsável, pois a manutenção da proibição do regime de 40 horas sem a inconstitucional dedicação exclusiva pode significar o comprometimento radical da qualidade de determinados cursos como os de Direito. Os dados extraídos da realidade dos cursos de Direito das universidades federais são, neste sentido, contundentes. É grande o número de pedidos de demissão e, maior ainda, o numero de professores que abandonam o regime de dedicação exclusiva, optando pelo de 20 horas. Isto porque as entidades privadas vem intensificando a procura por professores titulados. Estes, por mais idealistas que sejam, têm direito de ver seu trabalho retribuído financeiramente de maneira justa ou, no mínimo, menos injusta. Este fato na área de Direito é especialmente preocupante.

O trabalho do professor universitário envolve ensino, pesquisa e extensão. Nestas atividades há uma enorme variedade de realidades na diversidade que representa a Universidade. Alguns professores trabalham no laboratório, batendo o antiquado e ultrapassado ponto (existem outros adjetivos). Muitos entram noite adentro. Outros professores pesquisadores, pela característica das pesquisas que realizam, preferem trabalhar em casa, diante do computador e tendo como companheiros os livros, durante a madrugada, nos fins de semana, ou a qualquer hora. Geralmente, até mesmo nas férias, quando um bom livro e um computador portátil são companhias indispensáveis para alguns, mesmo na praia.

Quando refletimos sem preconceito e com a cabeça aberta, percebemos como é estúpido o controle de ponto e o regime de dedicação exclusiva para os professores universitários. Entretanto, já que vivemos em uma sociedade em que é necessário controlar, controlar, controlar, e a eficiência mede-se por números (a lógica capitalista da quantidade, quanto mais melhor), a maneira mais razoável para se controlar o professor é o controle de resultados (a produtividade), e não o controle do tempo (que nem o capitalismo faz mais).

Finalmente gostaria de terminar esta reflexão com uma observação: um outro equívoco cometido com freqüência nas universidades é a generalização do que não pode nunca ser generalizado. Por que tratar de maneira igual o que é diferente? Ora, alguns liberais do século 19 já reconheciam a necessidade de aplicar o princípio da igualdade com eqüidade, tratando desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade. Toda generalização é equivocada, assim como a unanimidade é burra.

Não se pode, em uma Universidade do porte e importância da UFMG, adotar políticas generalizadoras. A realidade do ensino, pesquisa e extensão em áreas como Direito, Biologia, Física, Matemática, Computação, Engenharia, Ciência Política, História, Letras etc., é por vezes, e por motivos óbvios, completamente diferente. Logo, como tratar igualmente realidades tão distintas? Um exemplo: como dizer que o professor pode no máximo orientar oito pesquisadores? Qual a formula mágica que apontou este resultado? Será arbitrário este número em um espaço universitário onde não deveria haver arbitrariedades?

A capacidade de orientação de cada professor não depende necessariamente da área de conhecimento, mas, essencialmente, do método e capacidade de trabalho de cada um. Por que tanto controle? Por que tantos limites? Será que nós nos achamos não confiáveis? Deixo estas indagações para reflexão.

*Professor e coordenador dos cursos de Pós-Graduação em Direito da UFMG