Brasileiro consome medicamentos
em doses incorretas

Professor do ICB mostra que remédios são administrados em colheres cujo volume varia em até 500%

 

ual a medida exata de uma colher de sopa, tão usada nas prescrições médicas? A dúvida levou o pesquisador Amadeu Roselli Cruz, do departamento de Farmacologia do ICB, a medir a capacidade volumétrica de dezenas de colheres, compradas em seis capitais de estados brasileiros. O estudo revelou que a maioria dos medicamentos líquidos disponíveis no mercado brasileiro é ingerida em dosagens incorretas, pois não há padronização das medidas indicadas nas bulas e nas prescrições médicas.

Segundo Roselli, são poucas as bulas de medicamentos que trazem uma medida de consumo, mas a maioria recomenda o uso de uma colher de sobremesa, chá ou café com volumes decrescentes e cuja capacidade volumétrica varia em até 500%. "Como tais volumes não são padronizados, doses erradas dos medicamentos geram efeitos farmacológicos e clínicos diferentes dos esperados", alerta o pesquisador.

A pesquisa de Roselli começou quando professores de Biologia e Ciências, com quem desenvolve um projeto de Farmacologia escolar, revelaram-se preocupados com os efeitos de medicações ministradas em sala de aula. Depois de ingerir os medicamentos para combater problemas respiratórios, estados alérgicos e quadros de epilepsia, os alunos ficam sonolentos e passam a apresentar baixa cognição e alterações perceptivas e psicomotoras, que comprometem o rendimento escolar. "Se a dose ingerida fosse correta, esses efeitos não deveriam ocorrer", explica o pesquisador. Descartada a hipótese de prescrição incorreta pelo médico, não foi difícil entender que o problema estava nos tamanhos variados das colheres usadas.

Variações

O professor Roselli mediu e comparou a capacidade volumétrica de 60 colheres de sopa, sobremesa, chá e café, compradas em Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Fortaleza, Natal e Rio de Janeiro. Foram encontradas diferenças volumétricas de até 500%, o que significa que a utilização dessas medidas pode resultar em superdosagens ou subdosagens de medicamentos.

A superdosagem de medicamentos com princípio ativo de ação psicofarmacológica, como os anti-histamínicos, pode provocar sonolência e relaxamento muscular em crianças de idade escolar. Segundo o professor, tais sintomas podem ter implicações no desenvolvimento cognitivo e psicomotor, com alterações no desenvolvimento de reflexos. Já a subdosagem de antibióticos pode propiciar a resistência bacteriana, com risco de vida para o paciente, sobretudo crianças e idosos. Para contornar o problema, o professor Roselli propõe que a indústria farmacêutica inclua uma medida plástica (copinho ou dispensador volumétrico automático) em todos os medicamentos líquidos.

Colher de sopa ou sobremesa? eis o dilema

As colheres usadas na pesquisa foram compradas em lojas próximas a estações rodoviárias ou terminais de ônibus urbanos, regiões de grande fluxo de pessoas de baixa renda. "Também compramos em supermercados, onde a colher vinha em embalagem fechada, com indicação do tipo", conta o professor. O acervo de colheres foi posto aleatoriamente em uma caixa de sapatos vazia, para que um grupo de 43 homens e 55 mulheres identificassem cada tipo de colher.

O levantamento revelou que 52% das pessoas só conseguiam identificar uma colher quando olhavam para outra, para comparar os tamanhos. Segundo o pesquisador, a confusão é maior na identificação de colheres menores. "É curioso observar que alguns remédios para quadros de carência alimentar e desnutrição referenciam suas doses em colheres de sobremesa", diz Roselli. O que não deixa de ser uma perversa ironia: exigir colher de sobremesa de quem não tem sequer a alimentação principal.

 

Linha de pesquisa é pioneira no país

O professor Amadeu Roselli Cruz coordena, no Laboratório de Psicofarmacologia Social e Preventiva do ICB, a linha de pesquisa em Farmacologia escolar, pioneira no país. A equipe trabalha em parceria com outras cinco universidades brasileiras em pesquisas na área de Farmacologia Escolar. Com financiamento do Rotary Clube e da Congregação das Irmãs Ursulinas do Vaticano, o grupo treinou, nos últimos dez anos, três mil professores de Biologia e Ciências, em 16 estados brasileiros, para lidar com o uso de medicamentos e abuso de drogas. "Trata-se de um ótimo exemplo da integração da extensão com a pesquisa", acredita Roselli.