/ Michelle Perrot

O silêncio que "fala"
pelo corpo da mulher

Marco Antônio Corteleti

 

econhecida mundialmente por seus estudos sobre a mulher, a professora Michelle Perrot, da Universidade de Paris 7, participou do Encontro Internacional O Corpo das Mulheres, realizado em maio, na Faculdade de Medicina. Presidente de honra do evento, Michelle falou, na sua palestra, sobre O Silêncio do Corpo das Mulheres. Este também foi o tema principal da entrevista que concedeu ao BOLETIM.

BOLETIM ­ O que a senhora define como O Silêncio do Corpo das Mulheres?

Michelle Perrot ­ Ao usar essa expressão, refiro-me a épocas passadas, quando a própria mulher não expunha nem falava sobre o seu próprio corpo. De uma maneira geral, a sociedade sempre caracterizou-se pela dominação masculina. A história relata sobretudo os feitos dos grandes homens e relega ou omite a atuação feminina ao longo dos tempos na construção da civilização.

B ­ Essa omissão histórica, então, teria levado o corpo feminino a ser representado artisticamente de forma tão intensa ao longo dos séculos?

MP ­ As mulheres sempre foram muito representadas pelos poetas, pintores, escultores. Podemos dizer que elas foram o principal objeto da arte, quase onipresentes. Não se deve esquecer, porém, que as mulheres carregam os silêncios dos seus corpos ­ as grandes diferenças étnicas, culturais, religiosas ­, os tabus que a sociedade não expõe, mas que influenciam e determinam o rumo de suas vidas. Falamos daquele corpo exibido, objeto de observação e desejo, mas ele próprio se cala, pois as mulheres não devem falar. O pudor, que prende seus membros e fecha suas bocas, é a marca desta feminilidade. O sexo a enche de mistérios. Um exemplo é um quadro de Courbet, cujo tema, A origem do mundo, é representado pelo sexo da mulher.

B ­ Por que há tantas imagens de mulheres construídas por homens e não o contrário?

MP ­ Na maioria das vezes ­ e isso ocorre até hoje ­ eram quase sempre os artistas masculinos que faziam essas imagens, que traduziam os sonhos e até mesmo os fantasmas do homem a respeito da mulher. O que será que ela, como artista, pensava? As imagens das mulheres e dos homens feitas por elas mesmas foram omitidas ao longo da história.

B ­ A Revolução Sexual dos anos 60 surgiu como uma espécie de grito das mulheres contra este silêncio histórico...

MP ­ Sem dúvida. A Revolução Sexual vinha sendo preparada antes, através de um longo processo contra este silêncio que culminou na década de 60. A partir daí, as mulheres deram um grito pelo direito de utilizar o seu próprio corpo. O slogan das feministas americanas e francesas daquela época era Nós somos o nosso corpo.

B ­ O corpo das mulheres continua silenciado?

MP ­ Na sociedade ocidental, as mulheres conquistaram muitas coisas e já quebraram o silêncio do corpo, mas não completamente. A publicidade, por exemplo, utiliza demais o corpo das mulheres e nem todas concordam com esta representação. Atualmente, na França, jornalistas mais liberais estão se levantando contra este artifício da publicidade. Mas ainda existem lugares no mundo onde a situação é de barbárie. Em alguns países africanos, a mutilação sexual nas meninas é permitida porque suas culturas proíbem o prazer sexual feminino. Na China, onde o governo só permite um filho por casal, acontece o homicídio de bebês do sexo feminino porque o filho homem é mais valorizado. Em países muçulmanos extremamente radicais, como Irã, Afeganistão e Argélia, as mulheres são obrigadas a cobrir o rosto, deixando apenas os olhos de fora.

B ­ Recentemente, na disputa do Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1, a Federação Internacional de Automobilismo divulgou fotos de mulheres seminuas na capa dos prospectos da corrida como um dos símbolos do país. Qual a sua opinião sobre a utilização das brasileiras como atração turística e sexual?

MP ­ As mulheres brasileiras são conscientes da utilização da sua beleza como atração turística. Há também um grande tráfico sexual para a Europa. Nós, francesas, somos solidárias à mulher brasileira nessa luta contra a exploração não apenas da imagem como também do corpo. Dentro do meio universitário e intelectual, essa imagem é muito mais complexa. Sabemos também que há uma grande atividade da mulher brasileira no mercado de trabalho e em muitos grupos feministas. A imagem que eu tenho das brasileiras é a de mulheres modernas e que perseguem mudanças.