Uma reposição nada impossível

Comando de Greve dos Servidores Técnicos e Administrativos da UFMG

 

s servidores públicos federais paralisaram suas atividades reivindicando 63,68% de reposição salarial. O índice corrige inflação acumulada desde 1995, segundo dados do próprio governo. Entretanto, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) alega não ter caixa para conceder reajuste linear e veiculou, no dia 24 de maio, 15 motivos pelos quais não poderia repor o índice pleiteado pelos servidores. O ministro Martus Tavares, do MPOG, e o presidente Fernando Henrique afirmam que os salários de diversas carreiras foram recompostos no período.

O Comando Nacional Unificado de Greve (CNUG) avaliou os argumentos do governo e concluiu que ele superestima despesas para não conceder reajuste salarial aos servidores, previsto na Constituição Federal.

Segundo o governo, a folha de pagamento do funcionalismo público atingiu a cifra de R$53,6 bilhões este ano, o que o CNUG contesta, argumentando ser este o valor bruto da folha, incluindo contribuição previdenciária e imposto de renda retido na fonte. O que sai dos cofres governamentais são R$36 bilhões/ano, incluindo pagamentos a civis, militares, ativos, inativos e pensionistas. O valor destinado a Encargos Financeiros da União (EFU) ­ juros e amortização da dívida interna e externa ­ é, este ano, de R$143,3 bilhões. Atender à principal reivindicação dos sindicatos ­ o reajuste de 63,68% ­ significaria, na ótica do Governo, despesa adicional de R$34,1 bilhões. Este valor somente seria alcançado se: todos os itens da despesa com pessoal fossem reajustados; o reajuste fosse retroativo a janeiro/2000; não ocorresse incidência de imposto de renda e PSS; houvesse reajustes no auxílio-alimentação, DAS, FGs, CDs, caso os demais "penduricalhos" salariais também fossem reajustados; e o reajuste pleiteado fosse estendido aos militares.

Um reajuste linear de 1%, segundo o governo, significaria despesas extras de R$536 milhões/ano, e um de 2% equivaleria ao gasto com o programa de merenda escolar. O argumento apresentado pelo Comando é de que o reajuste de 1% teria um impacto bem menor do que o apontado, mas, caso acontecesse, ainda assim seria irrisório se comparado com o que o governo gastará com o pagamento da dívida. O orçamento do Ministério da Educação é de R$11,3 bilhões, enquanto o previsto para EFU é de R$143,3 bilhões.

Para cobrir despesas com os benefícios de 16 milhões de aposentados e pensionistas, a União alega gastar R$65,1 bilhões por ano, enquanto o pagamento de 1,9 milhão de servidores consome R$53,6 bilhões. O Comando avalia que estes pontos não podem ser comparados, pois os trabalhadores da iniciativa privada contribuem apenas sobre a parcela de R$ 1,2 mil, o que não acontece com os servidores públicos. Em troca da aposentadoria integral, o governo deixa de recolher encargos sociais de 22% para o INSS e 8% para o FGTS. O servidor ainda paga 11% para o PSS que, em qualquer sistema previdenciário, seria suficiente para sustentar uma aposentadoria após 20 anos de contribuição.

O governo alega que está impedido de demitir e, portanto, de ajustar suas despesas de pessoal. Mas o que ocorre é que o Executivo vem reduzindo sua força de trabalho desde 1989, quando abrigava 712 mil servidores, número que caiu para 496 mil em janeiro de 2000. As despesas com pessoal atingem 21,58% das receitas correntes, distantes do limite de 50% previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Nos últimos anos, a administração federal tentou estimular a demissão voluntária dos servidores, mas a adesão ao PDV foi de apenas 2,7%. Para o governo, o que mais pesou na decisão da maioria dos servidores de permanecer no serviço público foram a aposentadoria integral e a vinculação nos reajustes de salário entre os ativos e inativos. Tais "privilégios", ainda segundo o governo, implicam custo elevado nas contas públicas e se tornam impedimentos para a concessão de reajustes line`ares. O CNUG considera que a paridade entre proventos não é privilégio, mas garantia constitucional.

O governo afirma que o País vive "num cenário de economia estabilizada e que as categorias mais organizadas do setor privado passaram a privilegiar a manutenção do emprego". O Comando também considera que emprego não é privilégio e sim garantia constitucional. O ônus dessa "estabilização" reflete-se no desemprego e na elevada concentração de renda.

O governo alega que, desde 1995, vem implementando uma política de reajustes diferenciados, processo que já teria beneficiado 33 carreiras (235 mil servidores ativos e inativos). O CNUG informa que 434 mil servidores ativos do Poder Executivo tiveram reajuste zero neste mesmo período. O mesmo vale para 355 mil inativos e 194 mil pensionistas.

O governo declara, ainda, que repassou a todos os servidores o aumento de 28,86%, descontadas as antecipações, havendo reajuste médio de 12%. O Comando avalia que o Governo não decidiu repassar o percentual, apesar da derrota sofrida no STF, em 1998. Além disso, os 28,86% foram reduzidos por fórmulas mágicas e milhares de servidores tiveram 0%.

Segundo afirmações do Governo, o piso salarial do funcionalismo federal é de R$392,00 (2,6 vezes o salário mínimo). O CNUG informa que o piso do funcionalismo é de R$73,62, inferior ao mínimo, necessitando de complementação para atingi-lo. Cerca de 15 mil servidores federais estão nesta situação, sendo 400 só na UFMG.

O governo afirma que a paralisação dos servidores implicará corte de ponto e desconto das faltas. Entretanto, até agora, não fez qualquer sinal de que estaria disposto a discutir as reivindicações das categorias em greve. E por fim, a grande contradição: a reabertura do PDV. Se o governo pretende garantir a prestação de serviços, por que demitir servidores? A qualidade dos serviços públicos não existirá sem trabalhadores bem remunerados e capacitados.