Cientista por acaso

Wilson Mayrink, do ICB, abandonou a medicina para dedicar-se ao estudo da leishmaniose

Murilo Gontijo

 

á quem diga que o acaso e a ciência andam em caminhos matematicamente paralelos, nunca se encontrando. À sombra do primeiro, vicejam as possibilidades não vistas, não conhecidas e, portanto, não almejadas. Na seara da segunda, o objetivo é o acúmulo de conhecimento através da experimentação pautada por métodos rigorosos, comprovados. Não há quem duvide, entretanto, que obras do destino podem fazer muito bem ao desenrolar científico. A prova concreta de que o acaso e a ciência podem convergir em alguns momentos é a trajetória do professor Wilson Mayrink, do departamento de Parasitologia do ICB, que abandonou a medicina para se dedicar ao estudo da leishmaniose.

Mesmo aposentado há cinco anos, o professor Wilson Mayrink vai diariamente ao ICB para dar continuidade às pesquisas que o fizeram chegar a uma vacina contra a versão tegumentar da doença. Aliás, os estudos na Unidade são um procedimento que se repete há 46 anos, só interrompidos quando ele viaja a Caratinga, na Zona da Mata mineira, onde atende cerca de 70 pacientes por mês. De 1965 para cá, Mayrink e sua equipe trataram mais de oito mil portadores de leishmaniose, sempre amparados nos conhecimentos adquiridos com o desenvolvimento da vacina no princípio da década de 80.

O dado curioso ­ e cruel ­ é que a vacina do professor Mayrink nunca foi liberada para comercialização pelo Ministério da Saúde. Quando provocado com um "por quê?", o professor bate sucessivamente as costas de uma mão contra a palma da outra e profere um simples "não sei", embora frise que nenhum pesquisador jamais pôde dizer que a vacina não funciona. "Fico magoado porque quem paga pela não liberação é o pobre, aquele que está lá no meio do mato, no cabo de enxada", confessa, ressaltando que a esmagadora maioria dos contaminados é da zona rural. Mas Wilson Mayrink sabe, e bem, que no Irã e no Iraque a tecnologia que desenvolveu é utilizada com eficiência no combate à leishmaniose.

Destino

Médico por formação, o cientista abandonou a profissão porque se constrangia toda vez que um paciente lhe endereçava o fatal "quanto custa". "Não me sentia bem", diz o pesquisador, que se orgulha de ter constituído uma prole imensa ­ 10 filhos, sendo seis adotivos.

Em 1962, o destino tratou de colocar a ciência em seu caminho. Maryrink conta que se interessou por pesquisas sobre a Leishmânia, quando o professor Saul Addler, da Universidade Hebraica de Jerusalém, veio ao Brasil montar um centro de estudos em leishmaniose. Em 1965, o professor já trabalhava em Caratinga no combate ao Calazar, doença que foi controlada na região seis anos depois. E foi entre o laboratório, a sala de aula e a pesquisa de campo que ele e sua equipe sintetizaram a vacina, evolução de outra originária de pesquisas do professor Sales Gomes e que foi posta em ação no campo pelo professor Samuel Pessoa.

Como parte do programa de testes, realizado entre 1981 e 1983 em Manaus, o professor aplicou sua vacina em soldados do Exército, obtendo redução da doença em 70% dos indivíduos que adquiriram estado de imunidade, fato que não foi suficiente para garantir-lhe a comercialização do produto. Em 1986, Mayrink obteve o compromisso de liberação da licença de aplicação da vacina em caráter experimental. Nova frustração: tudo não passou de promessa.

Depois de tanto lutar pela comercialização de seu produto, Mayrink concluiu que falta à Universidade agressividade para ocupar seu espaço na sociedade. "É muito engraçado: pesquisas da USP e da Unicamp recebem ampla divulgação na mídia e são merecidamente reconhecidas, mas isso raramente acontece com a UFMG". Mais uma vez, um "por quê", seguido de um "não sei", pairam no ar.