/ Karl-Otto Apel

Em busca de um ideal coletivo

Maurício Guilherme Silva Júnior

 

desenvolvimento científico e tecnológico da Humanida- de culminou com o surgimento, na década de 60, de uma importante corrente de estudos sobre a ética. As novas relações do homem com o mundo serviram de indagação ao filósofo alemão Karl-Otto Apel, um dos fundadores da chamada Ética do Discurso, posteriormente aprofundada por seu compatriota, Jurgen Habermas.

De 28 de agosto a 1º de setembro, Apel esteve na UFMG para participar do seminário internacional Ética do Discurso, novos desenvolvimentos e aplicações, sediado na Fafich. Durante a abertura do evento, no auditório da Reitoria, ele abordou o tema Ética do Discurso e as coerções sistemáticas da Política, do Direito e da Economia. Logo depois, concedeu entrevista exclusiva ao BOLETIM, em que comenta as relações comunicativas da atualidade e as dificuldades da sociedade em alcançar seus princípios morais.

BOLETIM - Quais as dificuldades para se chegar a um conjunto de princípios capazes de reger a vida do homem moderno?

Apel - É preciso distinguir atitudes individuais de condições universalistas para a vida em grupo. Cada pessoa deve procurar o que é melhor para si. É o indivíduo quem faz sua própria escolha profissional, por exemplo. Vivemos num espaço livre para a individualidade. Por isso, não posso dar, nesta perspectiva, um universo de princípios ou prescrições a serem seguidas. Todos têm que tentar encontrar seu único e autêntico caminho. As regras universalistas dizem respeito a áreas como a justiça, em que há co-responsabilidade coletiva, o que quer dizer que estamos inscritos numa fundação de princípios universais.

B - Mas o que impede que sejam postos em prática princípios éticos que fundamentem uma responsabilidade universal e solidária?

Apel - O principal impedimento vem da incapacidade do ser humano em se preocupar com o coletivo. O indivíduo dá importância apenas ao que interessa a ele. Não sabemos utilizar a razão estratégica para alcançar propósitos coletivos. Em nossa comunicação, por exemplo, o homem não procura entrar em contato com o outro. Ele se esforça para fazer barganhas. Eu digo o que faço por você e espero saber o que você fará por mim. São diálogos estratégicos. Isso acontece no mundo da política, dos negócios, da economia, em que as pessoas barganham o tempo todo.

B - As disparidades sociais, culturais e econômicas do mundo contradizem o que o senhor chama de sociedade ideal de comunicação?

Apel - As disparidades são um dos complicadores. Outro, está relacionado às diferenças culturais, idiomáticas e religiosas. Uma solução, porém, não é impossível, pois somos seres humanos e compartilhamos de um meio comum. Nossa maior dificuldade tem sido encontrar o caminho que nos permita dialogar de forma genuína, sem envolver interesses diretos. Um diálogo pressupõe que as pessoas estejam convencidas de que seu ponto de vista possa realmente ser o correto. Caso contrário, tal discurso não tem sentido algum. O verdadeiro discurso filosófico implica que uma pessoa tenha chance de mostrar o que pensa aos parceiros de diálogo. Nesse caso, reconhecemos que não somos deuses, não sabemos toda a verdade, e precisamos da opinião de outras pessoas. Necessitamos da troca de opiniões, o que permite a produção de um discurso genuíno.

B - Isto quer dizer que os diálogos são antidemocráticos?

Apel - Eu diria que existe uma relação interna entre democracia e diálogo genuíno. Isto se deve ao fato de a democracia ser a parte básica, não total. Existem ainda outros mecanismos. Por exemplo: eleições são baseadas no número de votos, um princípio pragmático. Isto pertence aos nossos princípios de democracia. Trata-se de um processo útil, mas sabemos que a minoria derrotada nas eleições pode, no entanto, ter a melhor opinião. Portanto, democracia não é ideal no que se refere ao diálogo. É uma relação interna. E a aproximação do diálogo genuíno é muito rara. Existem impedimentos de negociação entre as pessoas.

B - As sociedades atuais são incapazes de encontrar seus princípios morais de forma racional?

Apel - É muito difícil resolver as dificuldades morais. Precisamos pensar em responsabilidade conjunta das sociedades, não específica. A busca dos princípios morais é uma questão de todos os seres humanos. Tomemos como exemplo os prejuízos ecológicos a que estamos sujeitos. O perigo também é uma responsabilidade conjunta.

B - O homem está na direção correta quando tenta criar as condições para a efetivação de sua ética?

Apel - Sim, desde que a sociedade não separe a responsabilidade dos problemas. Caso contrário, os homens não poderão preencher por completo sua responsabilidade. Durante os períodos eleitorais, por exemplo, as pessoas precisam ter opinião sobre qual petição são responsáveis. Não será uma só pessoa que, em países como o Brasil, resolverá todos os problemas econômicos, judiciários e de distribuição de renda. Precisamos de um plano de leis cosmopolita.