/ Humberto Maturana


"Amor, sabedoria e compreensão

do mundo caminham juntos"

Maurício Guilherme Silva Júnior

ntes de conceder a entrevista abaixo, o biólogo Humberto Maturana foi apresentado, por professores da UFMG, a uma fruta tipicamente brasileira. Diante da desconhecida carambola, o pesquisador chileno realizou uma análise daquele "objeto" com a mesma desenvoltura presente em sua obra: observou, comparou e, sem medo, provou a novidade.

Um dos mais importantes pensadores do século XXI, Maturana ressalta, nesta conversa com a reportagem do BOLETIM, a importância de os cientistas não restringirem o olhar para novos valores e idéias. Ele é autor da chamada Teoria da Autopoiese, uma rede fechada de relações moleculares que, ao entrar em funcionamento, produz a si mesma. Na semana passada, o biólogo participou de um ciclo de conferências na Universidade.

BoIetim - Como o senhor analisa a questão da objetividade na ciência?

Humberto Maturana - A recomendação aos cientistas é a de que eles devem ser objetivos. A objetividade indica que não se pode dizer algo sobre determinado objeto sem que, para isso, haja um referencial. Quando se discute objetividade em ciência, é importante ressaltar que as opiniões do observador não devem interferir ou alterar um argumento que dá origem à resposta dos problemas. O que eu gostaria que ocorresse não participa, normalmente, do desenvolvimento do trabalho. Isso é o que entendo por ser objetivo. Desse modo, se me equivoco, isso quer dizer que digo algo válido, mas que, na verdade, pode não ter validade. O que não posso fazer é mentir em relação a algo que sei que não é válido apenas porque desejo chegar a um resultado específico.

B - Sua obra influencia campos diversos, como Filosofia, Lingüística ou Administração. A que o senhor atribui tamanha abrangência?

HM - Nunca imaginei que isso fosse acontecer. Creio que essa influência em tantas áreas deve-se a minha abordagem de assuntos fundamentais. Minha obra atende e faz referência a processos básicos. Está relacionada à condição mínima do fenômeno da vida, algo que transcende o meramente científico. Por isso, alcança tantas áreas distintas.

B - Qual a importância dos estudos transdisciplinares para a ciência?

HM - Estudos transdisciplinares implicam a possibilidade de os cientistas mirarem âmbitos diferentes, que podem relacionar-se. Não falo em misturar as áreas - o que não pode acontecer - mas observar o que se passa em um âmbito e outro. Trata-se de aproximar disciplinas díspares, que enriqueçam o cientista com pensamentos de múltiplo desenvolvimento. Isso é muito valioso, pois amplia a visão e o entendimento do pesquisador.

B - Então o senhor considera as espe-cializações um prejuízo para os estudos científicos?

HM - Creio que sim. Se seguirmos o caminho das especializações, certamente ficaremos limitados. Penso que as tarefas específicas podem mover-se por vários domínios, de modo que, ainda que haja um saber especializado, exista a possibilidade de fazer com que a informação chegue a campos muito mais amplos. Isso é fundamental para que sua especialização seja enriquecida. O entender implica que a pessoa saiba conectar aquilo que sabe a um espaço bem mais amplo, onde tudo faça sentido. O entendimento exige esse olhar estreito, num espaço grande.

B - Em sua obra, o senhor discorre sobre as relações entre amor, ciência e sabedoria de vida. Como essas instâncias se intercalam?

HM - Para mim, a tarefa da ciência é explicar, não dizer. Quando muito, entender. A sabedoria tem a ver com o entender, com um amplo espaço que permite à pessoa olhar e ver as explicações diversas que podem surgir, dando a mesma importância. O amor tem a ver com o olhar. Se eu não aceito a legitimidade de sua importância, limito minha visão. Se não amplio meu olhar, minha compreensão não aumenta, e não tenho sabedoria. Amor, sabedoria e compreensão do mundo caminham juntos. Nesse sentido, o fazer científico não é necessariamente sábio, particularmente quando restringe o olhar. Ou quando, por um motivo ou outro, considera que alguns sistemas são válidos, e outros não.

B - Como o senhor analisa o uso do patrimônio biológico como recurso econômico?

HM - Os seres humanos não são recursos. Cada vez que se fala em recursos humanos, está-se pensando no espaço de manipulação. Essa idéia de usar o patrimônio humano, genético, intelectual, no espaço produtivo é uma coisa inaceitável. Ao mesmo tempo, é preciso que os conhecimentos alcancem o espaço humano. O problema, então, situa-se na emoção. Trata-se da visão que estou ocupando, até onde estou vendo e o que estou fazendo com o patrimônio humano. Estarei usando os conhecimentos nos lugares legítimos de um espaço de convivência? Ou fora desse lugar e, portanto, relegando-o, inclusive, à pornografia?

 





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Nº 1311 - Ano 27 - 28.03.2001