Busca no site da UFMG




Nº 1346 - Ano 28 - 25.04.2002

Para entender o que as ruas "dizem"

  Dissertação da Fafich desvenda "discurso" que emana das vias públicas

Maurício Guilherme Silva Jr.

s ruas têm idéias. Captar e traduzir tais mensagens, repletas de intenções, estratégias e costumes, é aventura fascinante e imprevisível. Ao observador interessado em desvendar o "discurso" da metrópole bastaria seguir o ritmo dos signos urbanos. Desde que se mudou para Belo Horizonte, há três anos, a carioca Ana Paula Mathias Paiva dedica boa parte de seu tempo à interpretação deste ininterrupto "dizer" das ruas.

Durante um ano e meio, ela percorreu 200 vias públicas, localizadas em dez bairros da região da Pampulha, com o intuito de entender as significações por trás do conjunto de casas, adornos, apelos visuais e fluxo de pessoas. Além de cerca de mil fotografias, as "leituras" semióticas de Ana Paula culminaram com sua dissertação de mestrado Cruzamentos urbanos: a experiência do habitar-ruas, defendida em março junto ao mestrado em Comunicação Social da Fafich.

Durante a pesquisa, Ana Paula esteve nos bairros Ouro Preto, Bandeirantes, Santa Teresinha, Céu Azul, Nova Pampulha, Copacabana, Trevo, Garças, Xangrilá e São Francisco. A partir de suas "andanças", a pesquisadora passou a compreender as ruas como lugares de "semeadura e colheita" de práticas comunicativas em embate e renovação permanentes. As múltiplas significações de cores, formas e fluxos presentes em cada via pública fazem de Belo Horizonte uma cidade-mosaico. O caos - e sua multiplicidade de signos - geram significado e revelam a relação das pessoas com seu ambiente. "A cidade é auto-organizativa criticamente. As ruas estão o tempo todo em processo de ressignificação", completa.

Para compreender o modo de ser das ruas, Ana Paula procurou "viajá-las". "A rua só é compreendida em seus variados discursos, modos de dizer a cidade, quando é percorrida, viajada", afirma a pesquisadora. Em cada ponto da cidade, encontrou diferentes comportamentos. O bairro São Francisco, por exemplo, parecia não ter nada a dizer. Como se localiza próximo ao anel rodoviário, as pessoas passam rapidamente por suas ruas. Nele, no entanto, encontram-se as chamadas ruas interiores. "As portas estão abertas, o balcão da casa é a janela. No São Francisco, o interior e o exterior se interpenetram", diz.

Silêncio e cores

Já no Bandeirantes, as ruas não valorizam o contato. Além de não haver comércio na região, inúmeros obstáculos, como muros e guaritas, fazem com que o silêncio seja "inteiriço". O companheirismo parece não ser cultivado. Nos bairros Nova Pampulha, Céu Azul e Copacabana, a linguagem comercial é bastante atraente. Suas ruas têm muita personalidade. "Neles, as pessoas parecem estar próximas", diz Ana Paula. Quanto ao Santa Teresinha, a simplicidade é o ponto alto. Lá, portas e janelas são frágeis, e ainda há espaço para que os moradores sentem-se na calçada e joguem conversa fora. Em processo de crescimento, Garças e Trevo marcam-se pelo enorme número de construções. "Aos poucos, os dois bairros ganham cores e significados", constata Ana Paula.

Amparada por ampla pesquisa bibliográfica, Ana Paula buscou ouvir a "fala" das ruas conforme a intensidade com que a atraíam as diversas representações de idéia. Seja no interior de um automóvel, seja caminhando, ela se deixou levar por sinais múltiplos, como a variedade das cores, os sinais de trânsito ou o passo das pessoas. "Eu entrava nas ruas e esperava que as atrações me ditassem o caminho a seguir", conta. Ao se lançar neste trabalho de campo, a pesquisadora perseguia a noção de que as pessoas, além de habitarem suas casas e estabelecimentos, também produzem significados. "Toda construção é um meio que tem por fim um habitar, ou seja, um significar", explica.

Dissertação: Cruzamentos urbanos: a experiência do habitar-ruas

Autora: Ana Paula Mathias Paiva

Orientador: professor Júlio Pinto

Defesa: 25 de março de 2002, junto ao mestrado em Comunicação Social da Fafich